domingo, 19 de setembro de 2010

A Caçada


Aquela parecia ser uma noite espetacular. Alguns diriam que estava linda como qualquer outra noite. No entanto, havia algo em especial. Eu podia sentir isso na terra, podia ver nas luzes, podia cheirar no ar. Algo distante e insolúvel, mas afetava meus sentidos avassaladoramente. Essa latente sensação permeava minha mente e enquanto contemporizava sobre o assunto, mal notava todos os olhares na minha direção que minha simples existência provocava com tanta naturalidade no “After Dark”.
Localizada no, talvez, bairro mais boêmio do Rio de Janeiro, a boate After Dark era certamente uma das casas noturnas mais tradicionais da Lapa. Embora não fosse o samba que embalava as noites ali e por isso mesmo o lugar sendo o ponto de encontro de muitos cariocas que fugiam do convencional. Por isso eu estava ali, mas não apenas para me divertir, embora realmente poderia pensar isso. Infelizmente eu estava lá para realizar a única coisa que ainda me motivava depois de tanto tempo.
A caçada.
Digo isso porque nunca gostei. Já tive medo e teve um tempo que me sentia imoral ao fazer isso, mas agora eu tenho repugnância. Caçar é algo inexorável para os filhos da noite e eu mesma já me conformei com isso, no entanto, aceitar é muito diferente de gostar. Eu odeio fazer isso, embora minha sobrevivência dependa disso e por alguma ironia do destino, sou muito boa na caçada, e essa é a horrível verdade.
Caminhava em meio a uma profusão de etnias e talvez esse seja o maior diferencial desse país. Um amontoado de pessoas de diversas origens culturais se misturava como se pertencesse ao mesmo povo. Claro que estávamos no Brasil e claro que somos uma nação, mas esse sentimento de união não é tão forte como a maioria dos mortais pensa e sinceramente me pergunto se algum dia foi.
Assim meu escolhido se revela para mim. Era um homem alto com o corpo de quem deve malhar regularmente, mas sem exageros. Simplesmente odeio homens musculosos do tipo que chamam hoje em dia de “bombados”. Tinha os cabelos loiros e olhos verdes de uma tonalidade que se tornavam azuladas dependendo da luz. Um rosto fino que estava em acordo com o padrão de beleza de hoje em dia e eu apreciava isso, pois ele representaria perfeitamente seu propósito.
Sabia que era um homem inteligente, que se chamava Carlos Luca e trabalhava com publicidade em uma proeminente agência de propaganda no Paquetá. Na verdade, eu sabia muitas coisas sobre ele, já que eu o observava havia muito tempo com a ajuda das dádivas das trevas. Sabia do seu caráter e ambição. Conhecia seus mais íntimos segredos e por isso mesmo era meu escolhido.
Carlos já me observava.
Minha beleza já tinha chamado sua atenção bem como e quando eu queria que acontecesse. Não mais precisava da distração do ambiente. Estava ali, bem na minha frente e ele me admirava com fascínio. Eu causava, além de tudo, um deslumbramento sobrenatural. Uma atração que abrangia bem mais que o mundo físico. Deveria ser uma bela visão. Talvez tenha sido uma das últimas coisas que eu aprendi a manipular, mas uma das primeiras que utilizava inconscientemente.
Sabia muito bem o quanto eu era linda, pois já era elogiada mesmo antes de meu renascimento. Era desprovida de falsa modéstia. Olhos azuis celestiais e cabelos negros profundos como a Baía de Guanabara nas noites de lua nova. Meu corpo era praticamente perfeito. Bem desenhado e de uma delicadeza que atraía impreterivelmente os homens. Normalmente minha pele era muito branca, mas fiz questão de me cuidar bem para que as cores rosadas voltassem. Eu era a própria personificação da beleza divina em meio a meras e simplórias pessoas com suas curtas vidas.
Assim eu não precisava fazer quase nada. Bastava eu ficar sentada no bar, sem pedir nada, para que meus galantes pretendentes se aproximassem. Gentilmente descartava aqueles pobres coitados que em vão tentavam algo e trocava alguns olhares com meu escolhido para que o mesmo criasse coragem de me cortejar. Claro, foi justamente o que aconteceu.
Carlos se aproximou aparentemente confiante, mas eu escutava a batida acelerada de seu coração. Sentou-se do meu lado e dirigiu um olhar penetrante a mim e com um menear suave perguntou:
- Muitas cantadas?
Esse foi o início, obtuso a meu ver, mas propício aos meus objetivos, e deixei que ele me pagasse um Daiquiri com Morango e conversamos inúmeras futilidades enquanto cedia aos poucos às suas investidas. Queria que meu escolhido imaginasse que estava no controle, que estava jogando bem e me conquistando sem perceber que era ele mesmo o manipulado. Carlos era bom nesse jogo, mas não poderia vencer uma mulher com quase duzentos anos de vida.
O rapaz se sentia perdidamente atraído por mim. Podia perceber isso com todos os meus sentidos. Eu era ardente como as chamas de uma fênix que restaurava suas paixões mais profundas. No entanto, ao mesmo tempo, eu era evasiva na medida exata para lhe dar um ar misterioso e alimentar o desejo dele. Sabia trabalhar bem com isso, pois eu também era fria como o inverno e se encontram nesta dicotomia meus maiores talentos que estavam tirando a sanidade de Carlos rapidamente.
Toquei suavemente sua perna e disse que queria ir para algum lugar mais reservado. Claro que ele aceitou imediatamente e quando partirmos da boate After Dark aprestei minha audição à cata de ouvir todos os comentários sobre nós. Falavam mais sobre a sorte do rapaz do que sobre mim mesma. Minha beleza estonteante logo se nublaria na lembrança deles e embora seja impossível me esquecer, ninguém poderá me descrever exatamente, pois serei sempre uma imagem onírica indelineável.
Partimos no carro dele e passamos por vários bairros admirando o frescor e as belezas da Cidade Maravilhosa. Ficamos um pouco em uma praia de Ipanema para que eu pudesse estimular ainda mais suas emoções e depois fomos para minha cobertura não muito longe dali. Na verdade, todo o prédio, o “Marquesa Palace Hotel”, era meu e se todos os meus negócios pudessem ser computados eu seria considerada a mulher mais rica de todo o sudeste e talvez de todo o país.
Isso faz com que eu tenha meu próprio andar no prédio, que pode ser alcançado apenas por um dos elevadores e mesmo assim é preciso ter a chave que apenas meus mais leais servos possuem. Aqueles que tentarem passar por eles descobrirão rapidamente que suas habilidades e força também são sobrenaturais.
Logo que chegamos não tive sequer a oportunidade de lhe servir uma bebida ou mandar buscar algo para comer do restaurante “Lafayette”, pois Carlos me cobiçava tanto que logo cedemos à simples luxúria. Meu escolhido logo descobriria que sou uma ótima amante, com certeza a melhor que ele jamais possuiu e isso, ligado ao fascínio que emanava de mim, fez com que minha mordida fosse prazerosa ao invés de causar sofrimento.
Excedendo ao simples sadismo, o profundo beijo dos amaldiçoados acabava liberando a libido e adrenalina dos mortais. Essa era uma realidade que dava certa vantagem na caçada, mas nem toda pessoa reagia assim. Alguns tinham uma incrível força de vontade e sempre tínhamos que trabalhar com o imaginário das nossas vítimas, e logo era imprescindível todo o jogo que eu provocara antes.
Comecei a sugar seu sangue e a satisfação que aquilo me causava era inexplicável para qualquer mortal. Era muito mais forte e intensa que qualquer coisa que tinha experimentado quando eu ainda respirava. Melhor que os prazeres físicos como o sexo e os sentimentos que acalentam o espírito como o sorriso de nossa mãe.
Larguei-o na cama e sentei tranqüilamente enquanto o belo rapaz estrebuchava, perdendo sua vida a cada segundo. Carlos estava branco pelo sangue drenado sem entender o que estava lhe acontecendo. Na verdade ele entendia. Apenas não podia acreditar no que lhe parecia óbvio naquela situação.
Eu era uma vampira.
A dor que sentia, a vertigem e o terror que percorriam todas as fibras de seus músculos era uma sensação que eu conhecia muito bem, pois já tinha passado por aquilo e mesmo que de uma forma diferente dele, era um sentimento único. Aquilo me deu certa nostalgia e, sentada em frente à vista que dava para o encontro entre as avenidas Bartolomeu Mitre e Delfim Moreira, resolvi quebrar o silêncio e falar:
- Eu podia observar bem melhor todas as constelações na minha época – disse para o rapaz às portas da morte. – Agora até aqui a vida contemporânea poluiu os céus. Claro que esse lugar não era mais que um terreno vazio, mas já havia algumas chácaras quando meu criador se mudou para o Rio de Janeiro. Era um local calmo e tranqüilo, bem diferente desses dias, mas devo confessar que o Leblon ainda possui seu charme. Talvez seja por isso que eu tenha tantas posses ainda nesse lado da cidade.
Escuto os grunhidos quase surdos de Carlos e me lembro de toda a ardência que era ter o sangue drenado desta forma, mas ele ficaria vivo se assim desejasse ou melhor, como eu, ele nasceria novamente, mas para as trevas.
- Não seja rude, meu rapaz – disse para meu escolhido às portas da morte. – Se bem que eu também fui não é mesmo? Meu nome é Lívia Bastos de Castelo Branco e tenho vivido em seu país desde 1823. Sim, respondendo sua pergunta eu sou uma vampira, mas você ainda pode viver. Poderia dizer que lhe darei a grande dádiva da vida eterna, mas nossa vida é um tormento terrível pelas sombras do submundo. Meu motivo de querer transformá-lo não é menos egoísta que o que fez meu criador a me fazer renascer, porém ao menos eu estarei contigo em seus primeiros passos e isso já lhe bastará. A dor que sente é porque a magia profana está começando a agir em seu frágil corpo e isso é apenas o início. Ainda tem vários passos para se completar o ritual, mas por boa parte dessa noite nada pode fazer a não ser sofrer, e durante esse desagradável período eu lhe contarei minha história.





Introdução do meu romance sobre vampiros no Rio de Janeiro chamado:


A Fênix do Inverno

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Estrela do Mar


“O pescador tem dois amor
Um bem na terra, um bem no mar”
O Bem do Mar – Dorival Caymmi



O pescador olhava para o mar e sentia sua própria tristeza refletida nas ondas letárgicas do outono. Era extremamente difícil se conseguir peixes durante aquela época, mas o mais complicado era encarar sua própria família. Ver aqueles rostinhos decepcionados quando ele não traz o único sustento da família.
Parecia aquele mais um dia como estes. Suas desventuras no mar trariam fome às pessoas que ele mais amava. Isso era mortal para o pescador e cada vez menos sentia vontade de voltar ao mar.
No entanto, parou o barco em um ponto qualquer e voltou a pôr a rede na água em sua última esperança de pescar peixes. Ficou ali um tempo e puxou a rede de volta sem nada encontrar, ou era o que imaginou naquele momento. Nos emaranhados de corda, lixo e algas o pescador encontrou algo que julgava nunca encontrar.
Uma estrela do mar.
Sentou no convés de seu pequeno barco totalmente fascinado pela beleza daquela brilhante estrela que ele encontrou em meio ao universo do oceano.
Era linda! Tinha o azul do céu e brilhava refletindo todas as luzes que caíam sobre ela, como se toda a beleza do mundo se curvasse diante dela.
Aquilo enchia os olhos do pescador, deixando-o em êxtase profundo. Então ele se lembrou do passado, quando viu pela primeira vez uma estrela do mar.
Infante ainda na época, ele não sabia como reagir a àquela beleza, não sabia apreciar sua delicadeza, mas seu fascínio já tinha encantado o pescador.
Lembrou das brincadeiras que fazia com os amiginhos da escola e do tempo que passava com seu pai na pescaria. Adorava aquilo, adorava os tempos do colégio, em que sua única preocupação era se divertir. O pescador teve saudade daquele tempo.
A estrela do mar lhe trouxe todas aquelas boas lembranças. Ele quase pode sentir tudo novamente, como se vivenciasse de novo. Queria agradecer à linda estrela por ter feito tudo isso, mas não sabia se ela entenderia. Na verdade não saberia como fazer, pois era um simples pescador e entendia apenas de peixes.
Revigorado ele voltou a jogar a rede no mar e buscou, inspirado pela estrela do mar, o sustento para sua família. Não mais importava se conseguiria ou não, o pescador estava feliz como não era há muito tempo. Isso devia muito a ela...
Estrela do mar.

domingo, 5 de setembro de 2010

Nascimento da Amizade

Nós sempre passamos por diversidades
Quando o destino se zanga é que podemos
Finalmente conhecer os verdadeiros amigos
Alguém para estar do nosso lado sempre
Sejam momentos de tristeza ou alegria.

Assim podemos dizer palavras doces
Mostrar ao amigo que ele é melhor
Que é melhor que toda essa sujeira
Algo que teima a ficar incrustado
Tenta nos jogar sempre para baixo

Sim, minha querida você está certa
Somos melhores do que isso sim.
Essas palavras são suas e as revelo a ti
Pois suas palavras me confortaram
Quando estava em meus piores dias

Tenha a certeza que cativou um amigo
Daqueles que não abandonam
Que teimam ficar do lado mesmo
Nesta distancia cruel que está entre nós
Tempo e espaço que nada significa.

Se hoje eu estou mais feliz
Devo isso a grandes amigos
Pessoas especiais que se tornaram
Milagres em minha singela vida
Devo isso a você, minha querida amiga.