segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Perto.


“Não quero estar neste lugar e ver você partir
eu quero te esperar aonde você quer ir
te receber
te acomodar
te oferecer a mão
poder cantar, te acompanhar ao violão”
De Perto – Os Paralamas do Sucesso

Olhou pela janela observando o belo jardim que se espalhava na frente de um pequeno quarto na parte velha da cidade. Imaginou se ela passaria por ai e voltou a ver a cama vazia tomando um trago da garrafa de cerveja que tinha nas mãos. Lembrou dos momentos que acabara de ter junto com a mulher que amava e como algo tão lindo podia ter se perdido assim.
Voltou a olhar para fora e viu várias pessoas passando e se perguntou como deveriam ser suas vidas na complexidade e profusão de sentimentos que ele mesmo se via. Ele tinha conhecido muitas mulheres e passado por aquilo várias e várias vezes e então porque era diferente agora? O que tinha mudado?
Não tinha entendido bem o porquê ela o deixou, mas de qualquer forma ele mesmo sabia que as coisas seriam mais serias agora e estava na fase que normalmente a afastaria. Fez isso com todas as mulheres que teve e por algum motivo tinha se sentido muito mal desta vez.
Ele a viu atravessando as ameias floridas da primavera que embelezavam ainda mais o jardim do parque e entendeu que era ela diferente. Que encontrara uma mulher diferente de todas as que passaram por aquele quarto e contemporizou se não havia perdido a mulher de sua vida.
Não!
Estava sendo romântico e isso ele apenas era para conquistar as mulheres. Estava agindo como alguém que não estava no controle. Alguém... apaixonado.
Então ele finalmente entendeu a diferença de seus sentimentos e como aquela mulher era diferente. Ele a viu parar e quase olhar para trás. Quase a chamou aos berros, mas sabia que aquele não seria o momento. Ele perdeu o momento ou talvez devesse ter apenas a paciência para esperar que um dia eles pudessem ficar juntos.
Alimentava a esperança como um jovem apaixonado, mas ele seguiria a vida dele. Talvez pudesse ter-la de volta. Lembrou de uma antiga frase que dizia que um verdadeiro homem não é aquele que conquista várias mulheres, mas aquele que conquista a mesma mulher várias vezes. Ele a queria mais uma vez ali, não longe, mas...
De perto.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Vai, se você precisa ir



"Meu amor, cuidado na estrada
E quando você voltar
Tranque o portão
Feche as janelas
Apague a luz
e saiba que te amo..."


Quando você voltar
Legião Urbana






Era intenso demais para meus olhos contemplarem.
Busquei por tudo que lhe agrada a alma e o coração.
Agora devo ter paciência e por isso estou tentando.
Você se foi, mas não sei se ainda pensa em voltar.
Não sei se ainda pensa em mim ou se amei sozinho.
Talvez tenha sido erro meu ou talvez tenha sido seu.
Então quem sabe simplesmente não houve erros,
mas apenas o momento errado para nós...

Única coisa que sei é que só você me faz falta.
Aquele olhar voluptuoso de completa admiração.
Seu cheio embriagante que tira minha prudência.
Aquele gosto que teima em ficar em minha boca.
Seu rosto levemente levantado à espera do beijo.
Logo antes dos seus lábios massagearem os meus.
Todo aquele sentimento que trazia conforto e
que me deixava estupidamente apaixonado...

Apesar de tudo você partiu me deixando aqui.
Não quero ficar apenas vendo você ir embora.
Era bom demais quando você se aconchegava.
Eu sei que tudo está mudando muito rápido.
Existem coisas tristes ainda não ditas por você.
Como posso cobrar se existem segredos em mim.
Logo eu não vou impedir você de ir então vá,
mas apenas posso esperar que volte logo...

Tudo mudou quando você esteve aqui.
Receio que nada mais voltará ao normal.
Deixou um vazio e eu não sei se existiu algo.
Mesmo assim eu sei que sou uma nova pessoa.
Eu ainda estou bem porque foi bom ter você.
Espero sua volta sabendo que pode ser em vão.
E se você voltar fique comigo e não olhe para trás,
pois deixe que agora eu cuidarei de ti...

Então quem sabe simplesmente não houve erros,
mas apenas o momento errado para nós...
Todo aquele sentimento que trazia conforto e
que me deixava estupidamente apaixonado...
Logo eu não vou impedir você de ir então vá,
mas apenas posso esperar que volte logo...
E se você voltar fique comigo e não olhe para trás,
pois deixe que agora eu cuidarei de ti...

sábado, 12 de novembro de 2011

Asas...


Aqueles senhores querem que você não conquiste.
Dizem que a vitória não é para pessoas como a ti.
Mentiras elaboradas para tirar sua vontade.
Para que se sinta derrotado antes de tentar.
Abra suas asas e voe o mais alto que puder.

Tens o direito de conseguir o que queres.
A capacidade de buscar aquilo que é seu.
Não se intimide pelos obstáculos ilusórios.
Amarras invisíveis que pervertem a verdade.
Abra suas asas e voe o mais alto que puder.

Todo aquele esforço valerá à pena.
Esse é o momento de fazer e vencer.
Não há mais motivo para olhar para trás.
Tudo que precisa está contigo mesmo.
Abra suas asas e voe o mais alto que puder.

Mostre tudo o que aprendeu com calma.
Mas grite para que todos possam saber.
Você está veio até aqui e nada te para mais.
Está no lugar que merece e vai ainda mais longe.
Abra suas asas e voe o mais alto que puder.

Fortaleça seus sentidos e afie sua vontade.
Não deixe que te arranquem seus sonhos.
Nunca acreditem que possam fazer isso.
O que é seu apenas você mesmo pode perder.
Abra suas asas e voe o mais alto que puder.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Perda...


Quando se perde um amigo somos abatidos por uma tristeza sem fim.
Como se nosso porto seguro fosse invadido e perdemos o nosso chão.
Não temos mais aquele abrigo em que finalmente abaixamos a guarda.
Assim a dor só pode passar com ajuda acalentadora daqueles que ficam.
Apenas um amigo, mesmo sem substituir, pode curar a perda de outro.
No entanto, alguns amigos podem ser impossíveis de deixar partir.
O amor é tão grande que se torna difícil não o querer bem pertinho.
Às vezes não perdemos um, mas vários de forma constante e inexorável.
Perdemos a direção e nos sentimos solitários, mesmo em meio de muitos.
O sentimento de perda nos faz tentar mudar toda essa cruel situação.
Mas como pedir para ficar, sem acabarmos sendo totalmente egoístas?
Querer próximo não é prender e a felicidade não está na obrigação.
Assim o vemos partir calados e mergulhados em nossas próprias lágrimas.
Vazio que nunca será preenchido e talvez jamais sanado pelo tempo.
Aos que ficam resta apenas a saudade, pois esta sim está sempre presente.

O Lobisomem de Minas




“Em presença de tal apelação, mais brabento apareceu a peste. Ciscava o chão de soltar terra e macega no longe de dez braças ou mais. Era trabalho de gelar qualquer cristão que não levasse o nome de Ponciano de Azevedo Furtado. Dos olhos do lobisomem pingava labareda, em risco de contaminar de fogo o verdal adjacente. Tanta chispa largava o penitente, que um caçador de paca, estando em distância de bom respeito, cuidou que o mato estivesse ardendo.”
O Coronel e o Lobisomem
José Cândido de Carvalho



Era uma noite quente e fazia vários dias que não chovia naquela pequena cidade do interior de Minas Gerais. Na verdade aquela estiagem estava castigando toda e região e alguns fazendeiros estavam começando a se preocupar com suas plantações de milho, principalmente depois com a atual crise política. Todos já haviam se acostumado com tantos planos e mudanças da moeda, mas era mais a população de baixa renda da diminuta cidade que sofria tanto com o calor intenso quanto pela má administração do governo federal. No entanto, isso era o que menos preocupava a simples e velha senhora Marta Ferreira das Lourdes.
Dona Marta estava mais preocupada com seus netinhos, que acabaram de perder a mãe, vítima de tuberculose, deixando duas pequenas crianças aos seus atenciosos cuidados. A infanta mais nova, chamada Maria, tinha apenas sete anos e o mais velho que se chamava João tinha nove anos. Claro que o pai, o mecânico Lucas Ferraz Nogueira, ajudava a criá-las como podia, mas como ele trabalhava muito e acabou deixando a cargo de sua sogra a criação dos pequenos. Fora o problema com a bebida que Lucas tinha desde que a esposa faleceu, mas a senhora Marta apenas se preocupava com as crianças e como as educaria praticamente sozinha.
A avó estava contando uma estória infantil para as crianças dormirem. Tinha sido um dia duro para todos, mas os netos ainda estavam um pouco ativos demais naquela noite, talvez devido ao calor. Assim a senhora resolveu ler o que sua falecida mãe narrava para fazê-la dormir anos atrás. Era o conto da Capelzinho Vermelho e talvez não tenha sido uma boa escolha para aquele momento, mas João tinha dormido rapidamente e apenas a garotinha ainda estava acordada. No entanto, subitamente Dona Marta parou devido à voz da netinha que embora fosse delicada, acabou assustando a mulher de forma impressionante.
A pequena Maria era uma menina sempre alegre e falante, mas tinha ficado praticamente muda depois da morte da mãe, por isso a avó tinha estranhado tanto a criança falar naquele momento. Não conseguia se lembrar mais da última vez que ouviu a voz da querida neta, mas de certa forma, apesar do susto, ficou estonteantemente feliz por finalmente escutar a voz da garotinha novamente. A alegria fez com que a mulher não ouvisse o que foi dito, mas a neta repetiu:
- Ô vó, por que coisas tão ruins aconteceram com a Chapeuzim?
- Porque ela desobedeceu à mãe e foi para a floresta! – respondeu dona Marta – Não pode sair em um lugar estranho sem que os adultos saibam, minha netinha. Lembre sempre disso. É perigoso lá fora! Ocê pode encontrar o Lobo Mau...
- Vó... pra onde a mamãe foi?
A velha senhora respirou fundo. Sabia que aquela pergunta derradeira chegaria cedo ou tarde e por mais que tivesse se preparado pra ela, foi pega em total surpresa e descobriu que seria doloroso responder que sua amada filha, mãe da garotinha, nunca mais voltaria. Também causava tristeza em dona Marta falar sobre isso, pois também sentia falta dela, mas antes de tudo deveria confortar sua neta. Deveria esquecer sua própria dor para acalentar sua querida Maria...
- Minha querida... ela está no céu! Está com os anjim do Nosso Senhor.
- Ela não vai voltar mais?
- Uai, ocê vai ver ela de novo! Quando for ao paraíso também, mas não agora. Vai encontrar novamente sua mãe, mas não agora...
Dona Marta sentiu uma lágrima correr–lhe a face e não pode continuar. Suspirou profundamente e fechou os olhos tentando se acalmar. Ela não queria que sua neta percebesse a sua angústia. A carinhosa avó queria poupar a pequena Maria de mais dor e tristeza. Tudo aquilo era pesado e injusto com a menina.
- Não queria que ela fosse, vó. Eu odeio a mãe!
- Ela não teve culpa minha neta... não a odeie! É a vontade de Deus...
- Então eu odeio Deus!
Um ruído agudo de vidro sendo quebrado seguido por uma bravata rompeu subitamente o silêncio da noite e que assustou as duas, avó e neta, que pularam abaladas pelo barulho. Era o pai das crianças chegando mais uma vez bêbado em casa. Com certeza Lucas tinha passado no bar depois de ter trabalhado, se é que ele esteve realmente na oficina naquela tarde. A dona Marta olhou para o menino e viu que ele ainda dormia. Menos mal! No entanto, o garoto se moveu quando mais um estrondo ecoou pela casa. Dona Marta deu um beijo carinhoso na garotinha e foi ver seu genro antes que esse acordasse toda a vizinhança.
A doce Avó foi atravessando o pequeno quarto calma e silenciosamente. Chegou à estrada do cômodo, próximo ao corredor, e foi fechando a porta...
- Vó! – exclamou a menina – Deixa a porta aberta!
- Uai, ocê ainda tem medo do escuro?
- É...
Dona Marta não queria deixar a porta aberta, pois as crianças poderiam ouvir seu pai e perceber o estado deplorável que ele com certeza se encontrava. No fundo Lucas era um bom homem, mas a perda da esposa tinha sido demais para ele, ou melhor dizendo, demais para todos. A única que estava forte era a avó, mas mesmo assim ela sabia que era aparente, logo cairia. O que seria desta família se isso acontecesse? Quase desabou na frente de sua menina! Não, dona Marta tinha que ser mais firme. Ela contemporizou sobre a questão e resolveu ascender o abajur e assim poder fechar o cômodo adequadamente.
- Assim está melhor, minha netinha?
- Sim vovó! Obrigada!
- Amanhã é sábado! Dia de irmos ao parque, então durma logo!
- Ah, isso é bom demais da conta!
- Não é? Boa noite!
- Boa noite vó!
Resolvido o problema a avó foi cuidar de seu embriagado genro e saiu do quarto das crianças. Era algo que infelizmente estava virando uma rotina e dona Marta não gostava nem um pouco disto, mas não havia muito a se fazer agora.
A pequena Maria fechou os olhos e tentou dormir. A perda de sua mãe ainda era recente e sempre era difícil dormir. A saudade era indescritível e como em todas as noites a garotinha começou a chorar silenciosamente. No entanto, seu irmão, que nada percebeu, levantou da cama rapidamente e foi até a irmã.
- Vamos agora?
- Nem quero mais ir. – disse a pequena Maria – Não ouviu que a vó disse?
- Ah, o Paulim achou um trem lá. Falou que era da banda que tocou ontem e eu to doido ver!
- Vamos ver amanhã na aula!
- Nem! Sem chance! Quero ver agora!
- Mas e se aparecer o Lobo Mau?
- Uai! Eu mato nele com minha Espada de Greyscow!
- Sua espada? – ralhou a menina – Acha que é o He-man?
- Se não vai, eu vou sozim mesmo!
- Tá! Vou cocê, mas vou levar a Fifi!
Maria se agarrou a sua mais querida boneca, única feita de porcelana e seguiu o irmão. O casal de garotos saiu do quarto pela janela e com todo o barulho que seu pai bêbado estava fazendo, ao resistir à ajuda da sogra, não foi difícil para que os pequeninos fossem soturnos.
Ganharam rapidamente as ruas recém asfaltadas da cidadezinha em direção a casa do amigo Paulo. Um pouco longe dali, era verdade, por isso as crianças tiveram que andar muito. Entretanto estranhamente naquela noite não havia muitas pessoas andando pela cidade. Estava muito tarde e embora à iluminação fosse precária, a luz da lua cheia ajudavam muito os irmãos.
Havia um silêncio perturbador naquelas ruelas e o medo estava dominando cada vez a menina, mas o pequeno João estava corajoso andando com sua espada de plástico em punho e a confiança que apenas uma criança inconseqüente poderia ter. No entanto, o menino parou quando ouviu o som mais aterrorizador que já tinha escutado em todos os seus poucos anos de vida.
- Nó! O que é isso? – perguntou Maria – Ouviu?
- Si... Sim! – respondeu o irmão tentando recuperar a coragem – Mas não deve ser nada!
Ouviram aquele som medonho novamente e desta vez seus pequeninos ossos gelaram de tal forma que mal podiam se mover. Um som primitivo e ameaçador ecoava nas ruas da cidadezinha e mesmo as pessoas que estavam dormindo em suas casas acordaram aterrorizadas apenas para se encolherem ainda mais em seus lençóis ou se esconder covardemente para debaixo de suas camas tremendo irracionalmente em puro pânico.
O som provocava um medo avassalador!
Era um uivo tão sinistro que não poderia ser de um simples lobo comum. Havia uma força maligna naquilo, certa malícia perversa e enlouquecedora. As frágeis crianças estavam totalmente abandonadas e perdidas nas escuras calçadas da pequena cidade no interior de Minas Gerais.
João foi o primeiro a ver o vulto enorme que se formava bem na sua frente e o rosnado selvagem que aquilo produzia. Sentiu um cheiro nauseante de suor que quase causaram vertigem ao garoto. Ele tentou avisar a irmã, mas não conseguia mover um músculo sequer de seu miúdo corpo.
A criatura se movia lentamente se aproximando cada vez mais fazendo fumaça com sua respiração ofegante. O menino pode fitar os olhos dele que brilhavam em tom avermelhado e assustador.
Subitamente a coisa se moveu furiosa e de maneira muito rápida! João mal pode gritar antes de ser abatido pela bocarra daquilo. A primeira mordida foi logo na garganta que fez o garoto espernear. Garras rasgavam a carne com facilidade, mas foi apenas a segunda mordida que fez o menino finalmente tombar imóvel.
A menina naquela altura já tinha se posto a correr apavorada, mas seu caminho foi barrado pelo corpo do irmão que foi lançado contra o seu. A primeira coisa que ela viu foi sangue! Retalhado, jorrava sangue por toda parte do corpinho de João.
Apenas depois a indefesa Maria pode perceber que seu algoz já estava em pé na sua frente. A criança deu um berro alto, mas que fora abafado por mais um uivo tenebroso...


Continua...


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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Contenda...


“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
Friedrich Nietzsche



A tormenta tinha trazido nuvens tenebrosas e cruéis.
A vontade do Senhor caiu sobre o campo em assas e aço.
Arcanjos trazendo o crepúsculo de toda a maldade.
O punho direito de Deus em uma falange da alvorada.
E o céu se abriu sendo trespassado pelos feixes divinos.

Hostes infernais se batem contra os guerreiros da luz.
Mas nada pode refrear Seu poder incomensurável.
Inexorável como o destino e inevitável como a morte.
O medo se alastra a aqueles que trazem o terror.
E a Terra é consagrada mais uma vez para as alturas.

Não se podem compreender os desígnios da deidade.
Como entender criaturas tão magníficas e perfeitas?
A força mais pura e bela dos sete paraísos platinos.
Mas com a espada sempre suja de sangue abissal.
E os servos Dele choraram por aqueles que abateram.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Menina que Chorava


“Estória: No sentido de conto popular, narrativa tradicional das manifestações da literatura oral em prosa. Havia a necessidade de ser empregado estória para as narrativas, os contos tradicionais, ficando História para o sentido oficial do vocábulo.”
Dicionário do Folclore Brasileiro
Luís da Câmara Cascudo



Estava tudo no mais perturbador silêncio naquela antiga escola em uma madrugada chuvosa e com trovoadas espaçadas. Mesmo assim, durante dias como aqueles o colégio deveria estar lotado de alunos do supletivo em seus corredores, mas não era o que estava acontecendo ali desta vez. Nas noites anteriores havia ocorrido um crime com um dos alunos da oitava série que naturalmente cursava de manhã.
Era Ricardo de Andrade Silveira que tinha passado a tarde inteira jogando basquete na quadra da escola e foi o último aluno a sair do vestiário naquele fatídico vinte e nove de março de ano de 1992.
Ninguém sabe ao certo o porquê do garoto ter ficado mais tempo na escola e o que o levou a subir as escadas para ir ao banheiro do andar superior. Entretanto isso não era o mais estranho no caso. Curioso e inexplicável é como alguém entrou no banheiro, matou Ricardo retalhando seu corpo e ninguém sequer ouviu o menino berrar por socorro. Apenas foi encontrado por outro aluno, do supletivo, que veio a ir ao banheiro por simples necessidades fisiológicas. Assim não é difícil entender porque aquele caso tem tido uma repercussão tão sensacionalista pela mídia e comovido tanto a misericordiosa sociedade daquela cidade.
Logo, a escola estava interditada nos dias que seguiam o crime e as aulas pararam completamente. Era para a escola estar completamente vazia, mas esse não era o caso daquele dia frio de março. A curiosidade, para o bem ou para o mal, sempre moveu os homens e provavelmente foi isso que levou dois garotos estarem da escola naquela noite chuvosa...
- Juninho? – disse um dos meninos – Acho melhor voltarmos!
- A cara... Não vai amarelar agora né? Parece boiola, meu!
- Sei lá, essa escola ficou meio sinistra depois que o Ricardo morreu!
- Para com isso! Estamos aqui por conta disso, doido!
- Não cara é sério! Vamos sair daqui!
- Já deu Carlos! Se quiser voltar é por sua conta!
- Não volta comigo?
- Nem que a vaca tussa!
- Tá bom! Vamos lá então!
Os dois garotos, que eram amigos de Ricardo, ficaram curiosos com o que aconteceu. Ao contrário do esperado que era ficaram com medo ou pelo menos comovidos com a morte do amigo, eles ficaram curiosos para ver onde seu colega morreu. Onde foi o crime mais hediondo que jamais ocorreu naquele colégio.
- O jornal disse que até parece que foi um bicho cara!
- Se a polícia pegar a gente...
- Ah, pega leve! Tá muito bolado cara.
Ambos começaram a subir a escadaria que dava acesso ao andar superior do colégio. Era onde ficavam as sétimas e oitavas séries. Apenas naquele momento os dois perceberam o quão barulhento era pisar naqueles velhos degraus de madeira envernizada. Carlos tropeçou quando ainda estava subindo e fez um estardalhaço enorme quando se estatelou no chão. Felizmente a queda não foi grande e o menino logo se levantou envergonhado.
- Ai cara, só você mesmo! – disse Júnior – Vai acordar...
O menino não teve tempo de falar, pois o barulho de passos irrompeu pelo andar superior da escola e isso assustou muito os dois. Eram sons tão fortes e claros que não davam para passar despercebidos. Aquilo gelou a espinha dos dois, mas aquela balburdia logo parou e o silêncio aterrador voltou.
- Vamos embora daqui cara!
Desta vez Júnior simplesmente ignorou o amigo e subiu correndo o mais rápido que podia sendo finalmente seguido por Carlos. O garoto queria descobrir quem estaria no andar superior e os dois chegaram rapidamente ao banheiro em que o crime tinha ocorrido. Novamente não ouviam nada e continuaram a andar furtivamente, mas notaram uma coisa realmente estranha. A luz do sanitário estava acessa! Alguém realmente tinha estado ali e aquilo não estava correto. Novamente sobre os protestos de Carlos, o menino continuou.
Entraram no local onde Ricardo havia sido assassinado e perceberam facilmente que alguém já tinha limpado todo o lugar.
- Tá vendo? – disse o medroso menino – A polícia já investigou tudo! Vamos embora!
- Meu, dá pra calar essa boca? – esbravejou Júnior – Ouviu isso?
- O que?
- Isso!
Ambos ficaram quietos e assim se pode ouvir um estranho som que não passava de um murmúrio. Parecia um lamento ubíquo que parecia estar vindo do além. Um choro tão baixo que os dois se perguntaram como tinham conseguido ouvir.
- Sabia que tinha alguém mais aqui! – disse Júnior – Acho que está em um dos sanitários! Venha!
- Cara, isso vem de todo o lugar!
- Não encana Carlos...
- Tá bom, mas pega leve. Acho que é uma menina!
- Podia ser a Karine heim?
- É ruim heim? Nem ferrando que aquele filé estaria aqui, mas se tivesse nós teríamos uma surpresa para ela né?
- Isso seria massa!
Os dois meninos foram entrando no banheiro em direção as divisórias que separavam cada privada. Júnior se abaixou para ver por baixo e não viu nenhum dos pés de nenhuma criança, quanto mais uma garotinha. Como o choro ficava mais alto e focado à medida que eles se aproximavam e o jovem foi se guiando pelo som. Ao julgar estar na porta certa ele a abriu tão repentinamente que assustou seu amigo.
Havia, sentada em cima da privada, uma menina que chorava.
Estava trajada com um vestidinho branco com detalhes azuis de algum tecido que parecia ser algodão. Estava todo rasgado e a garotinha estava com meias sujas e com um dos sapatinhos pretos desamarrados. Estava igualmente imunda e com os longos cabelos loiros todos emaranhados. Ela se sentava com as pernas dobradas e tampando o próprio rosto onde tremia e chorava parecendo ignorar que os dois estavam bem na frente dela.
Os meninos acharam aquilo estranho e não entendiam porque a menina estava lá, mas resolveram falar com ela embora não parecesse ninguém que conheciam e estava vestida com uma roupa totalmente estranha, mas parecida com um uniforme de alguma escola das redondezas.
- Garotinha?
Ela não respondeu.
- Menina, por que você está chorando?
- Por quê? – perguntou à loirinha como em não mais de um sussurro, mas olhando fixamente para Júnior com seus olhos profundos e azuis – Por que vocês foram meninos muito maus!
Os gritos que se seguiram foram tão altos e aterrorizadores que provavelmente seriam ouvidos na rua se a chuva não estivesse tão forte. Relâmpagos e trovoadas rompiam os céus enquanto o banheiro, o mesmo local que tivera sido palco da morte do pobre Ricardo, era tingindo de vermelho novamente. Um espetáculo bárbaro e insano que voltou para a escuridão do silêncio da noite...

Continua...

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