sábado, 27 de agosto de 2016

X-Men: A Saga da Fênix Negra e a Apologia a Pena de Morte


A fabulosa saga dos “Filhos do Átomo” iniciada em setembro de 1979 e teve sua polêmica conclusão um ano depois na The Uncanny X-Men 137. Escrita por Chris Claremont, que estava se consolidado como autor definitivo dos “heróis mais estranhos de todos” com ajuda no roteiro de John Byrne que já tinha se destacado também como desenhista da revista dos mutantes.
Era literalmente a porta de entrada para os anos 80 e toda uma revolução que ambos iriam fazer nas Histórias em Quadrinhos fundamentando o alicerce para que a equipe de Charles Xavier se tornasse literalmente o “carro chefe” da Marvel Comics e que resultou em toda a popularidade dos X-Men anos 90.
Não é segredo para ninguém que A Saga da Fênix Negra é um dos arcos mais bem quistos tanto entre os fãs dos mutantes bem como de toda Marvel. Nesse exato um ano de mensais dos X-Men figuram sempre em posição privilegiada entre qualquer lista das melhores revistas tanto da editora Marvel quando de Histórias em Quadrinhos no geral e não é para menos.
Uma das obras principais dos “Filhos do Átomo” que levou não somente os X-Men a enfrentar uma das piores ameaças do Universo Marvel, pois a entidade cósmica destruidora de galáxias conhecida como a Fênix não era “apenas” uma ameaça inexorável, mas também tinha possuído e mantinha como receptáculo a então mais querida de todos os membros da equipe... Jean Grey, a Garota Marvel.
Para os X-Men enfrentar a Fênix Negra era ao mesmo tempo enfrentar sua melhor amiga e esse dilema permeou toda a Saga gerando um paradoxo terrível entre combater um de seus membros ou deixar que toda a existência fosse ameaçada. Uma dicotomia moral ainda pior para o líder de campo da equipe mutante chamado Ciclope, pois este estava entre o amor de sua vida e todo sonho e ética heróica em que ele mesmo foi construído.
Tudo fica ainda mais complicado na fatídica The Uncanny X-Men 135 em que a Fênix Negra para se “alimentar” acaba por devorar uma estrela que era como o Sol para todo um planeta alienígena habitado que acaba por conseqüência também sendo destruído no processo, ou seja, a Garota Marvel tinha cometido um genocídio horrendo com o poder quase absoluto que tinha naquele momento.
Tão conhecida é essa história em quadrinhos como também é o seu controverso final. Estampada em todas as reimpressões encadernadas e de luxo pelo mundo. Hoje um chamariz para novos leitores... Jean Grey, a Fênix Negra morre.
Morre condenada pelo crime inaceitável de exterminar toda uma civilização planetária apenas para restaurar suas energias. Acusada e julgada pelo Império Intergalático Xiar e defendida pelos X-Men, mas mesmo assim sentenciada e executada a Pena de Morte.
Durante uma entrevista os autores relatam que tinham outros planos para a Garota Marvel. Falam que como ela estava praticamente possuída por uma entidade desconhecida vinda de algum ponto da imensidão do espaço, a jovem mutante não tinha consciência dessas ações e não era totalmente responsável.
Entretanto Jim Shooter, então editor da Marvel Comics não compartilhava da mesma visão e acreditava que a Fênix Negra e conseqüentemente sua hospedeira,Jean Grey, deveria morrer para “pagar pelos seus atos” de crueldade desumana.
A qualidade ou não desse final foi muito debatido durante anos fazendo legiões de fãs pedirem a volta da Garota Marvel e forçando a editora a trazê-la de volta de uma forma pouco crível e bem questionável. No entanto, é justamente a questão da punição que a personagem mutante recebe que nos leva a reflexões mais profundas sobre nosso entendimento de justiça.
Chris Claremont revela em entrevistas posteriores que faria Jean Grey lembrar para sempre dos crimes que tinha cometido possuída pela entidade cósmica e esses fantasmas a perseguiriam de forma avassaladora para o resto da vida. Uma punição que muitos veriam como bem mais apropriada.
Então porque a Pena de Morte?
Qual é o momento em que a Cultura Ocidental entendeu a morte como justiça e, o mais importante, depois de tantos debates sobre a reintegração de ex-criminosos na sociedade ainda temos o autoproclamado, maior representante da democracia não só praticando a Pena de Morte como tendo sua defesa na maioria da população hoje.
Nos Estados Unidos 34 dos seus 50 estados ainda possuem a pena capital e em alguns casos é executado com alarde e tendo as famílias lesadas pelos condenados assistindo quase como um estranho espetáculo. No entanto, podemos observar que essa prática está na Cultura Estadunidense por influências bem mais antigas.
A Pena de Morte está presente desde a Antiguidade tendo como representantes a Grécia e Roma Antiga, ou seja, algumas das culturas geminais do ocidente. Antes disso o famoso Código de Hamurabi, talvez o primeiro conjunto de leis escritas, já prevê a pena capital para quase 30 crimes diferentes na região da Mesopotâmia desde aproximadamente o século XVIII a.C.
Essa pratica sobreviveu durante toda a Idade Média, seja como justiça dos lordes feudais como suas contrapartes religiosas dentro do Tribunal do Santo Ofício ou simplesmente Inquisição. Bem como foi muito lembrada pelos reis absolutistas na Idade Moderna e continuou “expandindo” no Período do Terror ou na França pós revolução e inicio da Idade Contemporânea, apesar de pensadores iluministas como o italiano Cesare Beccaria defender a pena capital como lei tirânica.
Logo A Saga da Fênix Negra pode ser vista como uma representação cultural do senso de justiça estadunidense que entende como legitimo a Pena de Morte para determinados delitos. Crimes vistos como hediondos pela sua sociedade que além de não ser passível de recuperação do detento, deve ser apreciado pelas vitimas sendo quase como uma vingança dos honestos e justos. Uma visão em que o Estado e Justiça devem punir o criminoso e não reintegrá-lo a sociedade.
Claro que naquela época como hoje os Estados Unidos ainda discutem sobre a viabilidade da Pena de Morte e cada vez mais seus estados tem abandonado a pena capital como método meramente eficaz, pois a Pena é aplicada justamente nos estados mais violentos gerando outro paradigma ideológico. Será que esses estados são mais violentos justamente por ter a Pena de Morte ou por serem violentos é que se faz necessária tal pena capital?
A chamada Cultura de Pena de Morte, ou seja, visão de justiça como punição ou vingança das vítimas, está presente e se perpetuou por muito tempo no Ocidente (e digo Ocidente apenas como um corte geográfico que gerou a revista em questão, pois a pena de morte também é aplicada deliberadamente por uma profusão de instituições de justiça orientais) quase ignorando todas as discussões levantadas pelos Direitos Humanos e até antes mesmo, sobre a redenção e a crença da reintegração social.   
Assim o arco A Saga Da Fênix Negra é um fruto de manifestação cultural gerado em um contexto estadunidense de justiça e que pode nos fazer refletir, mesmo que não intencionalmente ou indiretamente, sobre os dilemas e teorias sobre entender ou não a pena capital como modo legitimo de justiça.

Podemos observar então, a importância da indústria cultural para a formação do cidadão incluindo no tocante das Histórias em Quadrinhos, uma vez tão subestimada até mesmo como forma de arte e hoje parece ser revisitada como genuína manifestação artístico-cultutal seja dentro do seu período histórico ou como meio de educação a apreciação.