domingo, 20 de dezembro de 2020

A Sacerdotisa


“A palavra será a redenção dos pecadores 

Apenas o mais misericordioso a portará 

O Mal rastejará novamente para as profundezas” 


E rezou para que a Mãe Curadora lhe desse foças suficientes para poder sanar as chagas tantas pessoas desamparadas. Misericórdia. Ela agradecia por estar a noite e, por aquele lugar ser particularmente escuro, assim aquelas pessoas não veriam suas lágrimas toda vez que a Deusa a atendia. A sacerdotisa não tinha vergonha de suas emoções aflorarem sempre, mas temia que os debilitados ficassem desconfortáveis com seu estado, afinal eles estavam acostumados a serem ignorados e poderiam pensar que estavam apenas sendo um fardo para ela. 

Verena não pensava assim. Aliás a clériga nunca pensaria assim, ao contrário de seus irmãos de igreja. Na verdade, era bem provável que todos naquela cidadela a desaprovassem por acolher aquela gente. Acontece que aquelas pobres almas sofrem de uma doença chamada pelos estudiosos de lepra, mas para as pessoas comuns era mais conhecida como o flagelo dos deuses. Sim. Tanto o dogma religioso como a lei dos homens falavam que eles eram flagelados e amaldiçoados pelos Deuses Verdadeiros por algum pecado horrendo que teriam cometido. Logo eles mereciam aquilo e estariam fora do alcance de qualquer cura divina.  

Mesmo assim Verena os curava. 

A sacerdotisa se indagava se as escrituras estavam realmente corretas a esse respeito, pois se os Divindades não quisessem curar aquelas pessoas como suas orações poderiam ser atendidas e como ela poderia ter ajudado tantos? Aquela era apenas uma das questões que povoavam sua mente, bem como que, a população de Palanthas, a Joia do Norte, poderia deixar que vivessem nesse estado totalmente abandonadas a própria sorte. Excluídos. Viviam no bairro envolta da Torre de Alta Magia. O antigo lar dos magos que foi abandonado depois de uma profética maldição e o lugar era evitado por todos. Todos, menos os flagelados. 

Claro que Verena tinha dúvidas, pois ela já acreditou que todos eles eram criminosos e pessoas da pior espécie. Mas depois que esse pensamento foi varrido de sua mente veio a constatação que trouxe sua maior tristeza. Os pobres coitados realmente acreditavam que mereciam o que acontecia com eles. Então ela não apenas curava seus corpos, mas também tinha que sanar as chagas de suas almas, ou melhor, o veneno que contaminava seus corações fruto de meras tradições retrógradas e preconceito dos ignorantes.   

Era contra isso que ela lutava e era sua fé na bondade que a impelia a continuar. Houveram abalos, claro, como um senhor que se recusava a ser curado. Ele a ajudava a cuidar dos outros, mas para ele mesmo não queria a cura. Tinha cometido crimes terríveis, dizia, e merecia aquilo. Foi quando, depois de cinco longos anos, ele aceitou que ela o curasse. 

Quando a sacerdotisa perguntou ao homem o motivo para ele finalmente ter convencido, ele respondeu que depois de tanto tempo ela nunca tinha perguntado qual era seu crime. Verena nunca tinha o visto como um pecador ou alguém execrável. Ela sempre o tratou como tratava a todos, como um igual. O homem a indagou sobre nunca ter perguntado o que ele fez no passado e ela disse que não importava. Ele estava necessitado e não cabia a ela saber.  

Não importava. 

Ao sair dali, já curado, o homem sentiu as sombras de sua alma o rodearem novamente atraídas pelo remorso de seus erros passados, mas ele as afugentou rapidamente com as palavras da misericordiosa sacerdotisa. Não importava. Ele era um novo homem agora e teria uma nova vida e, se os deuses permitissem, ele faria de tudo para ser um homem bem melhor agora. 

  

Um pecador em busca da redenção.