quarta-feira, 30 de junho de 2021

Lobo Solitário: A Lanterna das Almas


“O Campo Mortal” 

 

A Lanterna das Almas é o Sexto volume do mangá Lobo Solitário roteirizado por Kazuo Koike e com a arte de Goseki Kojima contando a estória de Ogami Ittô, um Rônin que foi desonrado pelos planos de uma família rival e, junto ao seu pequeno filho Daigoro, decide seguir por um caminho escuro do Meifumadô como assassino de contrato enquanto prepara sua vingança contra aqueles que foram responsáveis pela sua atual desgraça. Neste capítulo temos uma viagem mais intimista do personagem durante todos os seus trabalhos que ele tem como mercenário fazendo com que suas mais variadas missões dividam espaço com seus próprios questionamentos filosóficos e morais.  

Se você quiser saber mais sobre a criação dessa obra e seus autores leia nossa resenha O Lobo Solitário. Também temos a resenha do primeiro volume O Caminho do Assassino; do segundo Uma Barreira sem Portões, do terceiro Estrada Entre Dois Rios, do quarto O Guardião do Sino e do quinto O Segredo do Vento Sul. Se continuar por aqui, terá uma análise crítica mais profunda sobre este excepcional sexto capítulo. 



Neste volume o protagonista revela um pouco mais do seu interior se mostrando ainda mais honrado e digno da posição social que sua família inteira perdeu devido aos estratagemas dos Yagyu. Quase todas suas missões aqui provocam certos dilemas morais que o Lobo Solitário resolve munido de sua determinação inabalável ao proteger ou vingar aqueles vitimados por agentes inescrupulosos ou por um sistema obviamente opressor. No entanto, agora até suas capacidades físicas são testadas de uma maneira nuca ocorrida antes e a sua morte parece extremamente real.  

Justamente nesse momento vemos o quão é férrea a força de vontade de Ogami Ittô ao mesmo tempo que seu pequeno filho também mostra a firmeza de seu vínculo com o pai e ambos acabam vivenciando o quão é inexorável o caminho dos assassinos representado pelo MeifumadôSeus espíritos são testados ao máximo em uma narrativa brilhante que não apenas gera conflitos materiais de estórias de ação e combate, mas também filosóficas e emocionais revelando que alguém pode ser quebrado também pela fraqueza de seus sentimentos.  



Até mesmo as sempre presentes críticas sociais estão agora intricadamente ligadas ao contexto e perspectiva dos protagonistas vistos quase como párias pela sociedade senão como vítimas fáceis de golpes e tramas daqueles que se consideram espertos o suficiente para perverter as regras morais e legais de um sistema claramente deficiente em trazer igualdade entre as classes. Tais golpistas não percebem que exploram as regras em que eles mesmos são vítimas podendo agravar ainda mais a situação até encontrarem derradeiramente alguém que os mostre o quanto estavam tristemente errados.  

No entanto, esse estado de “rejeitado pela sociedade” não faz do Lobo Solitário uma vítima, mas dá ao rônin certa liberdade de agir sem que expectativas desnecessárias ou responsabilidades demasiadas lhe sejam impostas  conferindo certa autonomia para seguir não apenas os princípios do caminho do assassino que se propôs a fazer, mas também a sua própria bula moral que aqui se torna cada vez mais importante na estória seja como crítica aos preceitos da época ou seja como recurso narrativo para o consolidar como protagonista contrapondo seu senso de honra e justiça aos demais naquela sociedade deplorável e ímpia. 

Assim o Lobo Solitário sempre se coloca contra aqueles que pervertem o caminho do guerreiro (Bushido) seja na extrapolação de suas posições sociais ou na exploração dos menos favorecidos, mesmo que seja daqueles que estão à margem do sistema tentando tirar vantagens pelo caminho vigarista de golpes e vantagem fácil. A tais vilanias o protagonista é inexorável ao levar sua justiça, mas aqui o mesmo não é imbatível e, certamente, não é infalível. Aliás muito do que acontece aqui terão consequências inevitáveis para  Ogami Ittô no futuro. Sua atitude acarretará repercussões trazendo contra ele aqueles que se mantinham neutros sobre sua causa até agora. 



Suas estratégias e, a proteção daqueles que julga como vítimas, as vezes envolve sacrifício próprio e isso nunca acaba muito bem. Mais próximo da sua mortalidade, temos os momentos de maior ligação entre pai e filho de toda a publicação até esse momento. Isso deu uma maior profundidade aos personagens tornando-os mais humanos e críveis conferindo ainda mais camadas do que já era profundo envolvendo o leitor mais intimamente.  

Tais camadas também são aprofundadas no próprio enredo tocando em temas não imaginados até aqui e passando por situações de certa forma imprevisíveis ou inusitadas para esse tipo de publicação. No entanto, Kazuo Koike traz o leitor para perto em toda a viagem que promove nos deixando aflitos, indignados, tristes e eufóricos em momentos chaves conduzindo bem as emoções para demostrar suas intenções em uma narrativa sofisticada que pode ser difícil de contemporizar para aqueles menos atentos aos nuances e sutilezas de um enredo muito bem amarrado e elaborado.  



Por fim, a arte de Goseki Kojima continua teimando em surpreender dando momentos memoráveis neste volume como sempre tem feito a cada capítulo desta incrível saga executando bem todos os momentos sejam eles quais forem. Destaco aqui o capítulo 32, intitulado de O Campo Mortal, em que tanto as cenas de luta quanto as expressões são bem marcadas valorizando absurdamente o roteiro e as próprias estratégias usadas pelo Lobo Solitário. Este volume é mais um exemplo que essa publicação nunca decepciona e eleva sua qualidade a cada página virada enquanto a trama progride em um enredo espetacular.  

 

“Só um homem como Ogami Ittô poderia assumir nossa causa dessa maneira... um homem capaz de seguir pelos caminhos do Meifumadô, indo contra o governo e os Yagyu...”  


Leia também a resenha do próximo volume... 

segunda-feira, 28 de junho de 2021

The Walking Dead: Caminhos Percorridos


Segundo arco (e encadernado) da história em quadrinhos elaborada e escrita por Robert Kirkman com desenhos de Charles "Charlie" Adlard e arte final de Cliff Rathburn, publicado pela editora Image Comics. Temos uma continuação direta do volume anterior em que acompanhamos o drama do Rick Grimes liderando a saída dos sobreviventes do acampamento em busca de um novo abrigo. Para piorar, além da dificuldade de achar um local ideal, temos o inverno que agrava ainda mais a situação dos personagens em total desespero, marcados pela fome e a presença sempre constante dos mortos vivos. 

Se você quiser saber mais sobre como The Walking Dead foi criado nos quadrinhos, sobre seu idealizador e suas inspirações; aproveite para ler também nossa resenha anterior sobre a obra. Também é possível acompanhar nossa análise do volume anterior chamado Dias Passados. No entanto, se quiser saber mais sobre este segundo encadernado continue lendo por aqui. 



Em Caminhos Percorridos temos uma mudança na equipe artística da publicação em que Tony Moore não mais faz os desenhos. Agora as ilustrações ficam por conta de Charlie Adlard um quadrinista britânico que iniciou sua carreira na Inglaterra em revistas como 2000AD e Judge Dredd. Nos Estados Unidos ficou famoso por sua participação em trabalhos como Arquivo X pela Topps; Clube do Inferno e Warlock pela Marvel Comics; e Batman: Gotham Knights e Lanterna Verde/Arqueiro Verde pela DC Comics. Sua arte evoluiu e se adaptou a proposta de cada trabalho, mas se especializou em algumas técnicas narrativas da nona arte como o uso de splash pages ou “páginas de impacto” e, no caso particular de Walking Dead, tem um domínio perfeito de luz e sombra com os tons cinzas das incríveis artes finais de Cliff Rathburn fazendo desta uma ótima parceria 

Claro que a mudança nos desenhos causa certo estranhamento no início, principalmente para os leitores que já vinham da série televisiva e tinham como outra a identidade visual dos personagens. Uma nova redefinição pode dificultar um pouco, mas como a participação de cada personagem é sempre marcante em toda a publicação esse novo aspecto visual é superado rapidamente neste próprio volume e, sem maiores dificuldades, ficamos mais confortáveis aos novos desenhos. 

Entretanto é inevitável surgir comparações com o artista anterior, pois à primeira vista os novos quadrinistas não parecem ser tão detalhistas, principalmente com cenários, como seu antecessor. No entanto, essa é uma crítica rasa e pouco refletida sobre a obra. Temos sim um “desaparecimento” do ambiente como pano de fundo, mas isto se deve ao fato que Adlard se foca muito mais nas excreções dos personagens, o que para o roteiro de Kirkman funciona perfeitamente. Temos agora mais um recurso narrativo em prol dos dramas pessoais elaborados na publicação bem como mais espaço para a importância que os autores dão a cada personagem, individualizando-os e os tornando tão reconhecíveis como o próprio protagonista Rick Grimes, mesmos os recém chegados.  



Quando o cenário é importante na narrativa, Adlard e Rathburn faz questão de produzir quadros impactantes em plano aberto ricos em perspectiva e detalhes sublimes dando uma verossimilhança maior em um universo de apocalipse zumbi. Assim sendo, os artistas sabem muito bem dosar o foco visual inclusive as passagens entre quadros dando ritmo desejado ao mesmo que continuam mostrando toda a degradação do mundo que rodeia a estória.  

Aqui temos uma leve ampliação do universo estabelecido por Robert Kirkman enquanto acompanhamos a busca dos protagonistas por um local seguro. Uma busca obviamente árdua que os leva a desventuras por todo encadernado, tudo muito bem planejado para o final catártico da última edição desse volume. Temos aqui já a quebra de expectativas que irá nos acompanhar por toda a publicação sendo um dos fatores que fez The Walking Dead ser tão aclamada.   

Também temos um início, quase germinal, de outro tema crucial desse título que se explica nas próprias falas do autor como “o perigo real de um apocalipse zumbi não são os mortos e sim... os vivos”. Assim já temos nesse Caminhos Percorridos um vislumbre de como os vivos podem ser complexos levando a situações de tensão e grande risco. Os dilemas morais continuam e apenas se ampliam com a chegada de novos e marcantes personagens que trazem consigo problemáticas bem reais e, até cotidianas. Percebemos que mesmo em situações extremas tais complicações ainda perduram e agora são ampliadas ou combinadas com traumas gerados especificamente em um pós apocalipse. 



Muitos desses traumas que permeiam esse arco podem ser resumidos, principalmente, com a ainda não aceitação da perda. Aliás esse tema nos parece recorrente em The Walking Dead desde a primeira edição, mas aqui se torna ainda mais inexorável. Parece que, apesar da publicação não ter mostrado ainda seu início pandêmico, temos cada vez mais sinais de que o mundo nunca voltará a ser como antes e sua desgraça se torna, aos poucos, mais evidente. É como se os leitores fossem sufocados vagarosamente como se a corda que laça seus pescoços fossem lentamente apertando cada vez mais, à medida que vai sendo revelado aos personagens o quanto o mundo foi impactado pelo apocalipse zumbi.  

Um recurso narrativo de terror muito eficiente que vai gerando cada vez mais tensão no leitor à medida que o enredo avança. Isso é crucial para estórias que se propõem a ser muito longas, como é o caso aqui, sem que fiquem repetitivas ou maçantes com o tempo e Robert Kirkman teve uma grande habilidade em manter o ritmo nessa publicação bem diferente do que acontece com a série televisiva.  Nos quadrinhos temos um alto nível de enredo e trama que permanece durante todas as edições e já podemos perceber pinceladas disso neste mesmo volume.  

O roteiro parece ser muito simples e que não progride muito com o enredo à primeira vista, mas seu dinamismo faz com que seja instigante a cada página, ou edição, fazendo o leitor ficar preso a trama, não sentido o arco evoluir causando aquela ótima sensação de querer ler o próximo volume assim que este chega em seu derradeiro final. Claro que as reviravoltas contribuem muito para isso, principalmente a do final desde encadernado, mas The Walking Dead vai um pouco além, nos deixando entretidos a cada quadro disposto em uma ótima arte sequenciada e muito bem executada narrativamente.  

Ainda o melhor desta estória se faz no roteiro com diálogos sempre precisos que podem parecer superficiais à primeira vista, mas rapidamente ganham importância narrativa quando a trama avança e muitos acontecimentos são revelados e digeridos pelos protagonistas (e consequentemente os leitores).  



The Walking Dead continua sendo uma das melhores publicações produzidas no meio mainstream nos últimos anos e uma ótima leitura para qualquer perfil de consumidor mesmo de fora do universo das histórias em quadrinhos.  


Leia também a resenha do próximo volume...