segunda-feira, 24 de maio de 2021

The Walking Dead: Dias Passados

 

Primeiro arco (e encadernado) da história em quadrinhos elaborada e escrita por Robert Kirkman com desenhos de Tony Moore e publicado pela editora Image Comics. Esse início é marcado pela apresentação do protagonista Rick Grimes, um policial de uma pequena cidade do Kentucky que acorda em um hospital após ser baleado em uma ação policial, apenas para descobrir que todos no local estão mortos. Aos poucos vamos acompanhando sua jornada, enquanto é revelado que o mundo sucumbiu em um apocalipse zumbi, em meio ao desespero de um homem que busca ter notícias do que aconteceu com sua amada família.  Tudo mudou e nada será mais o mesmo. Aqueles dias comuns ficaram para sempre no passado.  

Se você quiser saber mais sobre como The Walking Dead foi criado nos quadrinhos, sobre seu idealizador e suas inspirações; aproveite para ler também nossa resenha anterior sobre a obra. No entanto, se quiser saber mais sobre este primeiro encadernado continue lendo por aqui.  



Em Dias Passados temos como artista o talentoso Michael Anthony Moore, um desenhista estadunidense que cresceu no mesmo lugar que o personagem principal. Conhecido por trabalhos de terror e ficção como Fear Agent The Exterminators, Tony não foi o único artista a trabalhar nos longos anos em que essa história em quadrinhos foi publicada, mas definiu bem o estilo e, por sua vez, o tom do enredo e narrativa gráfica. O material em preto e branco pode parecer no inicio um facilitador do trabalho, mas logo se percebe que auxilia tanto no clima que se quer passar bem como em algumas abordagens temáticas e subtramas da própria revista em todo seu período de publicação. 

Essa falta de cores ilustra bem o mundo devastado em que Rick acorda dando um certo ar onírico ao mesmo tempo que cruelmente verossímil.  Não mostrar os traumas e violência de como pode ter sido a transformação do mundo comum no pós apocalíptico acaba dando outro impacto aqui. Temos de uma só vez e, sem aviso prévio, um universo decadente e vazio, sem a vida e as alegrias dos dias passados, em que nem a loucura e o medo sobrou mais como emoções cabíveis. Temos agora apenas a tristeza, em preto e branco, das lembranças do que não existe mais e, talvez, tenha se perdido para sempre.  



Assim vamos acompanhando Rick nesse mundo desolado enquanto tentamos entender, junto com o protagonista, o que aconteceu e como sobreviver em meio a toda essa desgraça. Então é neste ponto que surge o primeiro personagem importante para a trama, Morgan Jones. É com ele que entendemos melhor o verdadeiro estado das coisas e temos algumas lições de sobrevivência que vão acompanhar toda a publicação. O seu drama, mais uma vez, mostra qual será o tom deste enredo e já nos dá um indicativo da máxima de Walking Dead. Ninguém está à salvo de ter um fim trágico aqui. 

A forma letárgica e calma que Kirkman vai construindo a sua narrativa neste primeiro arco é fundamental para o entendimento de sua proposta e embora muitos diriam que sua obra tem inúmeras reviravoltas e guinadas, não é contraditório dizer que muito do que será tratado posteriormente tem suas bases fixadas nesse encadernado magistralmente, fazendo de sua releitura, após o término de toda publicação, um sentimento totalmente diferente do primeiro contato. 

Claro que o pulo da transição apocalíptica do mundo facilitou muito para o roteiro, mas não foi motivado por mera tentativa de simplificação. Outros temas deveriam ser abordados e um bom preparo ao que está por vir era muito necessário em um enredo como este.  

Entretanto, Dias Passados não são apenas um ponto de partida, pois muitos questionamentos já são colocados e desenvolvidos aqui, sobretudo o tema de o que é ser normal ou bom, agora que tudo veio às ruinas. Ainda existe companheirismo em uma situação extrema e de exceção como a que esses personagens vivem?  Ainda existe esperança nesta desolação inexorável? Acho que a primeira resposta a isso vem com a introdução de um outro personagem, pois Glenn Rhee é um dos melhores representantes da esperança em toda publicação. 

A forma que o personagem surge e o espirito realista, mas positivo, de Glenn traz um pouco de luz as desventuras de Rick e, em meio a esse universo, isso acaba sendo como um grande clarão. Obviamente, depois, teremos outras reverberações do personagem, mas nesse primeiro arco o jovem é o gatinho para que o leitor tenha a vontade de continuar acompanhando com uma esperança, mesmo que remota, que a estória irá trilhar caminhos mais agradáveis do que aparenta. 



É um jogo de sentimentos que o autor sabe bem trabalhar, pois logo temos o encontro de Rick com notícias de seus familiares, algo que não imaginava que ocorreria tão rápido, mas com um revés chamado Shane. Seu parceiro policial, e amigo pessoal, Shane Walsh ressurge também, mas como um homem abalado por ter presenciado a transição do mundo para este caos e sua volta acaba não sendo tão positiva para o protagonista como parecia ao primeiro momento. Aqui Shane está longe de ser tão aprofundado como foi na série televisiva, mas sua participação pode ser vista como ainda mais dramática e, de certa forma, intensa.  

Tudo acontece de maneira um pouco superficial que, podemos concluir duas coisas. Uma narrativa deliberada para nos colocar tão confusos como o protagonista deve estar se sentindo ou, talvez, uma falta de refinamento na escrita de Kirkman. Ambas interpretações são bem plausíveis embora a última poderia ser facilmente descartada com o tempo visto que a qualidade das futuras edições é impecável. Talvez o autor tenha seu próprio amadurecimento como contador de histórias durante essa publicação e se tivermos essa visão unida ao fato de como o protagonista também amadurece com o tempo podemos apreciar essa obra e entender um dos motivos principais de tanta aclamação que recebeu.  

The Walking Dead é sem dúvidas uma das melhores histórias em quadrinhos escritas saídas do cenário underground alcançando o mainstream. Talvez por isso também seja tão bem recebida, pois tem todos os fatores que faz com que obras autorais sejam de qualidade impar ao mesmo tempo que tem todo o apelo de histórias em quadrinhos de sucesso de vendas. Sua narrativa assertiva que tende não obedecer a nenhum padrão pré-estabelecido pela indústria ao mesmo tempo que temos personagens cativantes e de enorme empatia ao grande público.  

O talento dos autores, tanto o roteirista como o artista, já mostra neste primeiro arco toda sua versatilidade nos preparando para o que há por vir ao mesmo tempo que temos sim uma estória que já agrada aqui e fisga o leitor a querer acompanhar o protagonista por tantos anos.  



Uma história em quadrinhos que encontramos a rara oportunidade de termos um enredo com uma narrativa muito bem desenvolvida e ao mesmo tempo com personagens cheios de empatia e importância a trama de tal forma que, uma vez aprofundados futuramente, acabam se tornando tão vitais para o enredo como o universo construído em si. Não é toda vez que temos essa oportunidade e não é toda vez que encontramos uma publicação que já inicia ótima e sua qualidade apenas aumenta em cada arco apresentado.  


Leia também a resenha do próximo volume...  

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