sábado, 31 de julho de 2021

Lobo Solitário: Como Nuvem e Vento

 


“O Crepúsculo do Assassino” 

 

Como Nuvem e Vento é o sétimo volume do mangá Lobo Solitário roteirizado por Kazuo Koike e com a arte de Goseki Kojima contando a estória de Ogami Ittô, um Rônin que foi desonrado pelos planos de uma família rival e, junto ao seu pequeno filho Daigoro, decide seguir por um caminho escuro do Meifumadô como assassino de contrato enquanto prepara sua vingança contra aqueles que foram responsáveis pela sua atual desgraça. Neste capítulo temos cinco estórias mais independentes entre si contando as dificuldades da vida de um assassino com reflexos não apenas para o protagonista, mas também ao seu filho. No entanto, cada vez mais, os antagonistas principais se movem contra o Lobo e seu passado como executor (carrasco) imperial ressurge para cobrar algumas de suas antigas dívidas não esquecidas.  

Se você quiser saber mais sobre a criação dessa obra e seus autores leia nossa publicação O Lobo Solitário, onde você também pode encontrar uma resenha para cada volume anterior desta obra em links no final do texto principal organizados em ordem cronológica.  



Neste livro sete já iniciamos com os estratagemas família Yagyu em busca de dar maior atenção a questão do seu problema com o protagonista. Aqui é mostrado que não conseguiram suplantar a família Ogami por acidente, sendo bem manipuladores e estrategistas. No entanto, ainda falham em subestimar o Lobo Solitário, bem como não tem a sua vontade tão inabalavelmente forte quando o Rônin. Mas o capítulo rende ótimos momentos de tensão e um duelo emocionante em sua resolução.  

Entretanto no seguinte, O Crepúsculo do Assassino, temos um dos pontos altos dessa edição. Algumas técnicas de sombreamentos são otimizadas aqui deixando a arte de Kojima ainda mais bela refinando seus traços e destacando alguns movimentos e expressões. Parecia não ser possível evoluir a arte dos volumes anteriores, mas aqui mostra que o mangaká ainda tem muito a nos surpreender. Algumas sarjetas pretas são usadas para dar destaque em certas sequencias narrativas, como já fora feita antes, mas aqui também parecem ter uma evolução deixando mais tensos alguns combates. 

Tal técnica volta em alguns momentos onde se requer algum destaque a sequência sendo narrada ou em momentos sombrios em que algo terrível está acontecendo. Um recurso a mais muito pouco utilizado (para não falar ignorado) por quadrinistas que revela o estudo da arte por Goseki Kojima e seu incrível perfeccionismo narrativo.  

A beleza plástica de seus traços continua a impressionar em cada página e tal perfeição na execução de cada mínimo detalhe da arte também é uma mostra do fascínio que temos pelo modo e cultura japonesa. Tudo é feito de razão contemplativa e com uma motivação bem clara dando importância não apenas ao resultado final, mas a sua execução em si. Nada mais competente à filosofia oriental que se preocupar com o caminho percorrido e não apenas ao ponto em que se quer chegar e tal pensamento pode ser percebido em vários momentos da narrativa de toda essa publicação.  



As críticas à burocracia do Estado continuam, mas agora começam a revelar que não são apenas apontamentos da inabilidade ou corrupção dos seus gestores, mas que os representantes imperiais parecem figurar como reais inimigos tanto do protagonista quanto do povo em sua volta. Tamos aqui algumas situações do governo como antagonista, seja por seus agentes ou como uma força abstrata, mas claramente institucional e, talvez, deliberada.  

As intrigas para, por exemplo, se subir de posto sempre mostram o caráter das pessoas envolvidas, mas agora também é mostrado que o próprio sistema incentiva tais práticas. São movidos pelo desespero de necessidades muitas vezes econômicas, mas temos uma indagação de que tal precariedade não seja apenas fruto de crises, mas das ações conscientes de alguns agentes do poder.  

Nesse momento pode ser repetitivo a vida de um matador de aluguel para a publicação até aqui, mas Koike continua se reinventar nas tramas e contratos que o protagonista Ogami Ittô continua recebendo, com destaque ao confronto com um desafeto do seu passado que volta a assombra-lo. Um trabalho que o Lobo Solitário, ineditamente, não aceita receber seus 500 ryos costumeiros como pagamento, mas acaba aceitando realizar o assassinato. Uma atitude que pode mostrar a não clareza do oponente como alguém que o protagonista julgaria como uma pessoa perversa ou de motivações mesquinhas. 

 Talvez, seja o respeito do assassino pela figura do seu passado e o pagamento de dívidas que ele mesmo tinha com o seu destino... quem sabe? 



O mais interessante é que pela primeira vez temos fantasmas do passado do Lobo Solitário voltando que não estejam ligados diretamente a desgraça que ocorreu para com sua família. Também temos um questionamento sobre a função oficial que ele exercia para o imperador. Nunca tinha sido colocado alguma indagação sobre a honra de sua profissão como executor, ou carrasco, do governo e nem aparecido alguma reverberação dessa ocupação até o momento. 

Finalizamos com duas estórias que o Lobo Solitário deixa seu protagonismo pra contar o drama de duas mulheres que são vitimadas pelas circunstancias de suas vidas e são obrigadas a tomar caminhos indesejados para sobreviver. A primeira, em busca de sua vingança, muito se assemelha ao próprio Ogami Ittô e a segunda, em seu desespero, vai encontrar a honra novamente em um gesto de sacrifício de uma simples criança. Ambas mostram muito dos temas perseguidos pelos autores e o brilhantismo dos mesmos em dar importâncias a coadjuvantes para contar estórias de muita força e relevância 



Cada vez mais o pequeno Daigoro fica central e tem seus aspectos aprofundados tanto em personalidade como em importância narrativa. Deixa o leitor, por muitas vezes, se importar e torcer mais por ele do que pelo próprio protagonista, o que é um toque raro em estórias de ação como essa e exemplo que foi seguido por vários títulos de quadrinhos posteriores.  

Existe muitas camadas e sutilezas no trabalho de Koike e de Kojima que devem ser muito bem observados e contemporizados pelo leitor para uma melhor apreciação de sua obra.  

 

“Era filho do Lobo, vivendo no caminho da vingança. O destino era cruel para essa criança de apenas três anos...” 


Leia também a resenha do próximo volume... 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

The Walking Dead: Segurança Atrás das Grades


Terceiro arco (e encadernado) da história em quadrinhos elaborada e escrita por Robert Kirkman com desenhos de Charles "Charlie" Adlard e arte final de Cliff Rathburn, publicado pela editora Image Comics. Temos uma continuação direta dos volumes anteriores em que acompanhávamos o drama do Rick Grimes liderando a saída dos sobreviventes do acampamento em busca de um novo abrigo enfrentando um inverno desesperador em um caminho marcado pela fome e a presença sempre constante dos mortos vivos. Agora, finalmente, parece que encontraram o local ideal, mas nem tudo será tão fácil assim... 

Se você quiser saber mais sobre como The Walking Dead foi criado nos quadrinhos, sobre seu idealizador e suas inspirações; aproveite para ler também nossa resenha anterior sobre este material. Também é possível acompanhar nossa análise do primeiro volume chamado Dias Passados e da sua segunda edição Caminhos Percorridos. No entanto, se quiser saber mais sobre este terceiro encadernado continue lendo por aqui. 

Em Segurança Atrás das Grades temos o início do primeiro arco a ganhar muita notoriedade entre os leitores de quadrinhos... a prisão.  

O local parecia perfeito para os sobreviventes conseguirem se fixar em uma morada. Grades e muros fortes que deteriam a entrada dos mortos vivos. Um grande campo entre cercas para plantar o que comer. Era a esperança estabelecida e a oportunidade de, a partir dali, reconstruir uma sociedade ou ao menos viverem em paz. E as coisas pareciam ainda melhores quando eles descobrem os estoques absurdos de comida enlatada que poderiam sustenta-los por muito tempo...  

Pareciam... 



Aqui a publicação se volta para o tema que será sempre recorrente no enredo de Robert Kirkman. Por pior que sejam os mortos... os vivos conseguem ser ainda mais cruéis. Como acontece na maioria das produções cinematográficas de George A. Romero (diretor e autor que muito inspirou The Walking Dead) as pessoas vivas são sempre o pior em qualquer tipo de distopia pós apocalíptica. Assim sento, na segurança atrás das grades, temos outro caçador à espreita matando os sobreviventes um a um causando ainda mais terror.  

O clima de tensão causado é trabalhado de maneira muito eficaz, embora muito rápido. Talvez a resolução tenha sido às pressas devido a verdadeira trama que o autor queria trabalhar. O questionamento do que fazer se alguém cometer um crime entre os sobreviventes, ou melhor, o que fazer com um assassino entre eles? Restabelecer algum contrato social de convívio se faz incrivelmente necessário tão rápido quanto conseguiram se estabelecer em algum lugar. Deve existir regras, mas como elabora-las e quem deve ter autoridade sobre as mesmas? Ou melhor ainda... o que fazer agora que temos um verdadeiro serial killer? 

Temos diálogos afiados sobre a questão de justiça e autoridade contemporizando qual é o limite que estão prontos para chegar em busca da segurança de todos e do bem comum. Principalmente no que se refere à pena de morte. É incrível a rápida evolução que temos no enredo de um encadernado para outro quando a busca simples pela sobrevivência muda para os dilemas de como construir uma sociedade em meio a todo esse caos.  Além de termos toda essa discussão, ou início dela, em meio a narrativa sobre o quão cruel o homem pode ser em condições extremas e o qual será a linha que poderá definir o certo do errado depois de toda essa desolação causada pelos mortos.  



Kirkman ainda nos presenteia com mais desenvolvimento dos personagens onde fica cada vez mais claro e reconhecível suas personalidades e motivações, como também apresenta figuras novas que vão rapidamente mostrando sua própria importância na narrativa e enredo principal. Tais significados e desenvolvimentos começam a mostrar o que parece ser o melhor da escrita do autor. A gradual mudança que os eventos vão causando aos personagens devido aos impactos sentidos e as decisões difíceis que eles se veem obrigados a tomar.  

Focando no protagonista, já conseguimos ver, de forma bem clara, a diferença de Rick Grimes como aquele tranquilo policial da primeira edição de The Walking Dead do que ele é agora. É possível, sem muita dificuldade, para o leitor sentir também seus dilemas e a responsabilidade que o protagonista toma para si mesmo. Grimes evolui junto com o enredo apresentado em um recurso narrativo que faz com que possamos acompanhar a estória como se também a estivéssemos vivenciando ao virar de cada página, adentrando em um universo arruinado em preto e branco. 



A arte de Charlie Adlard continua muito eficaz ajudando incrivelmente na narrativa com seu foco nas excreções e caracterização de cada personagem. Aqui, possivelmente, não pode ser encontrado mais resquício algum daquela incomodação da mudança do artista, visto que os traços do ilustrador interagem bem demais com a estrutura de roteiro de Kirkman mesclando arte com texto de forma tão fluída que dá a impressão aos leitores que são ambas produzidas pela mesma pessoa. Essa sincronia se faz extremamente importante, pois as relações entre personagens são o maior foco dessa edição, e ao bem dizer um dos temas principais ao longo de toda a publicação deste título. Tudo isso poderia ser perdido com um traço inabilmente simplório ou demasiadamente caricato. 

Aqui temos vários pontos em que a narrativa está por conta totalmente dos desenhos cujos detalhes, se percebidos, podem dar muito informação do que está prestes a acontecer e ajudam muito a absorver mais as motivações e reações dos personagens na trama. O ambiente da prisão parece ser limpo e bem menos claustrofóbico do que deveria, mas provavelmente deve ser por representar a renovação da esperança aos sobreviventes e um contraponto com o ambiente destruído e apodrecido do “além muros”. Isso se mostra perceptível na curta sequência de ataque do serial killer que os quadros são levemente mais próximos e com muito uso do preto para dar o tom mais escuro. Tais recursos também podem ser vistos em cenas no interior da prisão, principalmente nas celas, mas de alguma maneira, no momento do ataque, ficou ainda mais sombrio.  



Logo, é perceptível uma evolução narrativa, seja textual ou artística, a cada arco proposto de forma constantemente crescente. A qualidade parece melhorar a cada edição fazendo a leitura ser agradável ao mesmo tempo que começa a tratar de certos temas mais profundos. The Walking Dead é uma obra de fácil assimilação pelo leitor, mas que o faz, depois, refletir sobre o que lhe foi apresentado gerando uma sensação mais permanente de busca pela continuidade da leitura, bem mais do que faria as reviravoltas e revelações no final de cada encadernado. No entanto, também temos muito disso em cada arco, mostrando que todo o enredo foi muito bem planejado pelos autores e está, até agora, sendo brilhantemente executado com muita maestria e competência.  


Leia também a resenha do próximo volume...