terça-feira, 31 de agosto de 2021

Lobo Solitário: As Correntes dos Kurokuwa

 

“A Vida das Garças de Inverno” 

 

As Correntes dos Kurokuwa é o oitavo volume do mangá Lobo Solitário roteirizado por Kazuo Koike e com a arte de Goseki Kojima contando a estória de Ogami Ittô, um Rônin que foi desonrado pelos planos de uma família rival e, junto ao seu pequeno filho Daigoro, decide seguir por um caminho escuro do Meifumadô como assassino de contrato enquanto prepara sua vingança contra aqueles que foram responsáveis pela sua atual desgraça. Aqui temos mais um capítulo do passado do nosso protagonista revelando mais detalhes da rivalidade para com os Yagyu e como ele conseguiu o título de kaishakunin, o executor oficial (ou carrasco) do império. Os algozes do Lobo o cercam cada vez mais o forçando a entrar em seus estratagemas, confrontando seus perigosos assassinos enviados palas sombras. Vários aspectos da vingança também são mostrados não apenas de forma concreta, mas também filosófica.  

Se você quiser saber mais sobre a criação dessa obra e seus autores leia nossa publicação O Lobo Solitário, onde você também pode encontrar uma resenha para cada volume anterior desta obra em links no final do texto principal organizados em ordem cronológica. 



A arte desse oitavo volume continua impecável, aliás arriscando a dizer que está ainda melhor que nos livros anteriores. Os combates e duelos, agora, me pareceram ainda mais viscerais graficamente deixando as sujas, provavelmente para representa-las de forma mais verossímil, mas ainda mantendo um padrão de beleza plástica impecável. Como artista marcial fico impressionado com a precisão dos movimentos ali desenhados e as posturas muito bem demostradas pelos traços detalhistas de Goseki Kojima sem que nada fique didático ou “duro” demais mostrando fluidez dos movimentos de golpes e técnicas. 

Igualmente incrível é a passagem do tempo de todo o mangá até agora demonstrado pelas paisagens sazonais ali desenhadas. Existe um claro desenvolvimento de continuidade pelas estações representadas pela, sempre brilhante, arte de Kojima. Ao mesmo tempo que essas passagens mostram visualmente o avançar do tempo que dá uma clara ideia ao leitor mais atendo de que os anos estão sempre em movimento perpétuo 

Essa continuidade inexorável do tempo se une ao roteiro que continua avançando o enredo para tramas cada vez mais intricadamente ligadas à estória principal, ou seja, o embate entre Ogami Ittô com a sua antiga família rival. Lentamente vemos se formar o confronto inevitável e cada vez mais tal rivalidade se torna central na trama como era de se esperar depois de tantos volumes da publicação do mangá Lobo Solitário. 



Assim como vamos conhecendo cada vez mais os Yagyu e os caminhos que percorreram para sua escalada por mais poder. Acaba que a família de antagonistas representa o que existe como crítica principal (e tantas vezes explicitada) dos autores nessa publicação até agora... a hipocrisia e desonra que muitas famílias nobres eram na época. Ora, o patriarca Retsudo Dono é a personificação daquele que usa do bushidô (ou Caminho do Guerreiro, os 7 princípios dos samurais) apenas para deslegitimar seus inimigos ao passo que ele mesmo esquece dos códigos de honra rápida e facilmente quando lhe convêm.  

Yagyu Retsudo é um homem ambicioso que apenas se importa com a posição de sua família e sua própria caminhada para obter cada vez mais poder destro da burocracia do shogunato, mesmo que para isso recorra a estratégias muito questionáveis nas sombras... pois sempre busca manter uma fachada de honra aparente. É exatamente isso que os autores mais criticam em o Lobo Solitário e aqui, os antagonistas vão recorrer mais uma vez aos furtivos assassinos que lhes são leais... os shinobi 



Geralmente os ninja costumam a ser representados de duas formas nesse gênero de mangá, ou seja, em gekigá (quadrinhos mais complexos e dramáticos voltados para adultos). Ou como protagonistas em que, geralmente, os samurai são vilões ou como antagonistas. Na posição de inimigos costuma a ser ressaltado que esses espiões não tem honra (o que é historicamente impreciso) e que são absolutamente cruéis. No entanto, em uma publicação em que se destaca a hipocrisia de muitas famílias nobre e a desigualdade provocada pelo Estado do período Edo, claramente tal abordagem seria estranha mesmo tendo os ninja como antagonistas ao Lobo Solitário.  Tão pouco são tratados como bem feitores, pois continuam a ser agentes institucionais pela manutenção do shogunato. 

Assim temos uma das versões com maior verossimilhança aos misteriosos ninja, mesmo em um material sobre samurai e rônin. Se colocam como antagonistas a Ogami Ittô, mas sempre atacando de forma estratégica e inteligente não sendo meramente “soldados rasos” e nem desprovidos de honra ou humanidade. São oponentes perigosos que ainda confrontam o Lobo Solitário quando questionados sobre sua lealdade e dever para com a família Yagyu 



Existem, claro, vários pontos altos nesse volume sendo, aliás, um dos melhores até agora, mas gostaria de destacar justamente esse embate com os ninja no capítulo 41 que justamente dá o nome do encadernado. A forma estratégica em que os shinobi atacam muito valorizou o combate incluindo a própria utilização das correntes em questão, que nas mãos deles vão muito além de meras armas e do clima invernal que aqui servem também para deixar tal contenda com uma sequência de arte belíssimos sendo quase um personagem à parte.  

Assim o leitor fica totalmente na dúvida do que apreciar... o confronto em si, as estratégias usadas, o embate em diálogos afiados, a paisagem magnifica como pano de fundo ou o inverno que trouxe uma nova camada na linguagem gráfica para a narrativa audaz e sempre precisa de Goseki Kojima. 

Simplesmente magnífico! 

 

“Durante o inverno, a garça permanece com um pé na água congelada e o pescoço abaixado, sem se mover. Essa é a única forma que esse pássaro encontrou para poder sobreviver!  A beleza da garça de inverno está exatamente nesse esforço silencioso. Ela não contraria a natureza, nem tenta fugir dela. Apenas tenta sobreviver com todas as suas forças...” 

The Walking Dead: Os Mais Íntimos Desejos


Quarto arco (e encadernado) da história em quadrinhos elaborada e escrita por Robert Kirkman com desenhos de Charles "Charlie" Adlard e arte final de Cliff Rathburn, publicado pela editora Image Comics. Temos a continuidade da aclamada fase dos sobreviventes na prisão, onde já iniciamos com um conflito direto entre os seus “antigos moradores” com o grupo de Rick Grimes. No entanto, este não são os únicos perigos e segredos que aguardam os personagens, pois boa parte do local ainda continua inexplorado. Além da entrada de novos e marcantes personagens, como Michone Hawthorne.   

Se você quiser saber mais sobre como The Walking Dead foi criado nos quadrinhos, sobre seu idealizador e suas inspirações; aproveite para ler também nossa resenha sobre este material. Também é possível acompanhar nossa análise dos títulos anteriores como o primeiro volume chamado Dias Passados, sua segunda edição Caminhos Percorridos, bem como a terceira intitulada Segurança Atrás das Grades.  No entanto, se quiser saber mais sobre este quarto encadernado continue lendo por aqui. 



Temos em Os Mais Íntimos Desejos uma edição dedicada mais a narrativa e diálogos, apesar do volume anterior sugerir um grande combate no final. Claro que temos conflitos por todo esse arco, mas eles são conduzidos, em sua maioria, por embates morais e confrontos entre personagens o que acaba por desenvolver ainda mais suas personalidades e enriquecer muito as tramas que envolvem cada um. É um arco necessário para conduzir a dinâmica dos protagonistas para com quem é mais recente no enredo, estabelecendo laços que serão importantes no futuro. 

Também foi uma ótima oportunidade para o leitor poder presenciar o quanto toda a situação pós apocalíptica está afetando todos os personagens e como, gradualmente, eles estão perdendo suas próprias sanidades. Claro que aqui começa a ficar mais evidente os sinais de esgotamento do protagonista Rick já antevendo os surtos que ele terá posteriormente, mas também é perceptível que tal desgaste está em todos os personagens gerando algo que pode vir a ser uma loucura generalizada indicando que ninguém é capaz de suportar muito tempo em meio a toda a desolação que o mundo acabou se tornando.  

É tudo muito bem amarrado desenvolvido nas relações entre os personagens onde vários pontos de vista são apresentados e muitas discussões pertinentes são levantadas pelo autor, deixando claro que a publicação não se trata apenas de mais uma estória de zumbis. Aliás, para mim, esse sempre foi o ponto mais alto não apenas de The Walking Dead, mas de praticamente todos os títulos criados por Robert Kirkman nas histórias em quadrinhos. Trata-se do desenvolvimento humano e as suas relações em situações de grande stress e acontecimentos trágicos. Talvez essa seja a marca do autor e sua particularidade nas próprias obras.  



Aqui temos um embate físico e psicológico entre Rick e Tyreese que é simplesmente de tirar o fôlego. Não apenas por fazerem chegar ao nível do, humanamente, insuportável à ambos, mas pelo confronto visceral entre seus diálogos e posições à cerca de seus ideais. De certa forma, até parece que os personagens ganharam vida e estão disputando, eles mesmos. o protagonismo da estória, não por vaidade, mas para firmar seus posicionamentos e relevância no enredo geral da publicação.  

Claro que o leitor pode chegar a própria conclusão elegendo um preferido no embate, mas sem nunca conseguir “vilanizar” o outro ou simplesmente desacreditar qualquer um dos dois pontos de vista. O que acontece aqui é marcante para toda a trama e irá repercutir por vários arcos a frente.  

A arte continua excelente e os tons de sombreamento que foram experimentados no arco passado se tornam mais orgânicos aqui. São técnicas fundamentais para cada vez mais dar um aspecto de claustrofobia, como deveria ser em uma prisão e, essa direção, casa com o rumo em que a estória está tomando onde fica cada vez mais evidente uma sensação angustiante de que tudo está para desmoronar a qualquer momento.  



Parece que a corda está cada vez mais apertando sobre o pescoço dos protagonistas. Enforcando cada vez mais. A loucura aumentando. A segurança se esvaindo. Os zumbis cada vez mais numerosos nas grades. O sentimento de paranoia causando desgaste físico e mental. A sujeira impregnada em tudo, poluindo até a alma. A morte e desolação cada vez mais evidentes.  

A falta da derradeira esperança quando o destino inexorável se revela.  



Tudo, argumentos, arte, evolução do enredo, tramas propostas e relação entre personagens é incrivelmente muito bem pensada e executada nessa publicação conduzindo o leitor à uma estória angustiante, empolgante e intrigante ao mesmo tempo, guiada com extrema maestria pelos autores desde o início e, aqui, começa a se revelar cada vez mais prazerosa de se acompanhar.  

A qualidade está evoluindo cada vez mais junto com a trama e, talvez, com o desenvolvimento dos próprios autores. The Walking Dead nos quadrinhos faz jus a toda a aclamação que tem recebido junto às suas várias premiações. É, com certeza, uma das publicações mais aprazíveis de se acompanhar nesses últimos anos, principalmente em se tratando de revistas mensais, onde é sempre certeza de encontrar uma ótima estória a cada página.