domingo, 29 de agosto de 2021

Homem Aranha: Azul


    “O blues é tanto um estado de espírito quanto um sentimento, não necessariamente de tristeza e depressão, embora na maioria das vezes seja assim." 

Eric Hobsbawm -  História Social do Jazz 

 

Minissérie dividida em seis volumes e publicada em 2002 que faz parte da, posteriormente, chamada quadrilogia das cores. Roteirizada por  Jeph Loeb e desenhada por Tim Sale que conta uma estória narrada por Peter Parker registrando as suas memórias em um gravador sobre seu amor trágico e inesquecível pela Gwen Stacy. Um conto sobre se apaixonar, sobre as conquistas da vida e sobre quando a realidade crua nos acorda de nossos sonhos mais ingênuos. Essa é a vida do Homem Aranha, e sua sorte de Parker, que sempre faz algo muito ruim acontecer justamente quando achamos que tudo está bem.  

A quadrilogia das cores foi escrita pensando sempre na proposta de cada cor ligada ao seu protagonista, relacionando seu significado na cultura estadunidense. Assim, por exemplo, temos um Demolidor Amarelo onde a cor, que representaria a covardia, se relaciona a um “homem sem medo” ou um Hulk Cinza que está sempre na linha entre o bem e o mal sendo um cientista racional, e aparentemente calmo, que guarda dentro de si um monstro pronto para explodir em fúria. Logo, Homem Aranha Azul trás toda a dor, tristeza e melancolia que a palavra “blue” significa para o imaginário dos Estados Unidos além, claro, de outras culturas.  

Então temos uma obra, de certa forma, melancólica sobre as lembranças de Peter Parker narrando as dificuldades do início da sua vida como super herói ao mesmo tempo da descoberta do seu primeiro amor. Tudo lindamente escrita e desenhada por uma dupla de quadrinistas experientes que, souberam muito bem, levar as delicadezas necessárias que esta estória exigia bem como os elementos aventurescos que não poderiam faltar em um quadrinho de super heróis, trazendo ainda todas as narrativas e tramas principais que fundamentam a mitologia do Homem Aranha.  



Tim Sale é um artista estadunidense responsável pelas pinturas do personagem Isaac Mendez na série televisiva Heroes, bem como desenvolvimento artístico do programa. Trabalhou como desenhista em vários trabalhos de grandes editoras, como DC Comics e Marvel Comics, quase sempre ao lado do amigo Jeph Loeb como em Superman Quatro Estações e Batman O Longo Dia das Bruxas, onde sua arte foi aclamada por leitores em todo o mundo. 

Jeph Loeb é um quadrinhista novaiorquino que teve como seu primeiro trabalho de destaque em 1991 a minissérie Desafiadores do Desconhecido, já com parceria junto ao artista Tim Sale. Essa dupla foi muito aclamada pelo trabalho em Batman O Longo Dia das Bruxas e Vitória Sombria realizado pela DC Comics, chegando a ganhar o prêmio Eisner por ambos materiais, além da saga Batman Silêncio com Jim Lee.  Pela mesma editora fez Mulher Gato Cidade Eterna, Superman Quatro Estações e escreveu, por um bom tempo, Batman e Superman.  Ainda teve diversos trabalhos na Marvel Comics onde se destaca sua participação na mega saga Vingadores vs X-Men e a própria quadrilogia das cores. Loeb ainda chegou a roteirizar para televisão como em Lost, Smallville e Heroes, bem como para o cinema em Comando para Matar (Commando), estrelado por Arnold Schwarzenegger e dirigido por Mark L. Lester em 1985; e o filme O Garoto do Futuro (Teen Wolf) estrelado por Michael J. Fox e dirigido por Rod Daniel também em 1985.  



Tal dupla criativa tem a responsabilidade de revisitar um dos momentos mais traumáticos das histórias em quadrinhos, sem negligenciar toda a importância devida, mas aqui pelo ponto de vista do seu personagem principal. Assim temos uma obra acima de tudo muito emotiva, dando uma sustentabilidade ainda pouco explorada e que vai muito além do que geralmente é usado nas narrativas de início de carreira de um super herói. Tem toda uma carga dramática, mas sem nunca deixar de lado todas as emoções de ler uma aventura do Cabeça de Teia. Aliás, receio que, a palavra emoção seja a que melhor define esse material. 

O leitor quase consegue sentir as emoções de Parker ao desabafar sobre seus primeiros anos. O amor adolescente e ingênuo que sentia por Gwen Stacy, suas dúvidas como jovem herói e o peso das responsabilidades que carregava. Mais do que a adrenalina de e derrubar vilões, tinha o dever de manter os inocentes salvos e arcar com as consequências de suas eventuais falhas nesse processo quase sempre inglório e solitário de muitas formas.  

O termo “blue” ou azul que dá nome ao título por vezes é muito bem empregado em algumas de suas significâncias por toda a estória. Da excitação inocente de estar fazendo algo pela primeira vez e da melancolia das perdas dessa mesma inocência no processo. A força inexorável do destino que se revela e como continuar em pé, depois do atropelo imperdoável da vida. Está aqui a essência do que significa ser o Homem Aranha e a materialização absurdamente bem escrita da famosa frase que guia o protagonista desde os seus primórdios... 

Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. 



Igualmente impressionante é a forma que Stacy é retratada aqui, bem como a própria Mary Jane. Ambas são personagens apaixonantes e faz com que o leitor não consiga escolher entre as duas das mulheres mais importantes na vida de Parker. São absolutamente diferentes, mas cada uma cativante à sua maneira. A sensibilidade doce de Stacy é quase uma representação do próprio tom da narrativa, mas a auto confiança de Mary Jane é praticamente toda a força necessária que move o heroísmo do Homem Aranha o fazendo sobreviver a todo caos de sua vida e as maldades de seus inimigos. 

São raros os títulos que conseguem revisitar o passado de personagens tão consagrados com tanta maestria como feita pela dupla criativa de Homem Aranha Azul. A mesma maestria que encontra o equilíbrio perfeito no tom dramático e ao mesmo tempo com muita ação e, até humor, como é essencial para as histórias em quadrinhos do Cabeça de Teia. Ouso dizer que tal qualidade aqui nunca foi superada posteriormente por Loeb e Sale... não nesses moldes e embora tenha títulos que eu particularmente aprecie muito da dupla, como O Longo Dia das Bruxas, tenho um espaço todo especial guardado pela estória aqui narrada.  

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