segunda-feira, 17 de maio de 2021

Lanterna Verde: Crepúsculo Esmeralda / Novo Amanhecer


Dois arcos das histórias em quadrinhos intrinsicamente ligados do título Lanterna Verde lançados entre janeiro e agosto de 1994 pela editora DC Comics. A trama é sobre a queda de Hal Jordan, talvez o maior herói da Tropa dos Lanternas, devido às suas irreparáveis perdas sucumbindo aos limites entre a sanidade e loucura. Ao mesmo tempo temos a ascensão de outro super herói, o inexperiente Kyle Rayner, como o último dos Lanternas Verdes e a derradeira esperança para toda essa tragédia. Um enredo sobre pessoas que simplesmente não conseguem lidar com as perdas de um passado traumático e sobre responsabilidades que parecem ser bem maiores que podemos suportar.  

Ambas escritas pelo quadrinista Ron Marz, famoso por sua passagem pelo título do Surfista Prateado na Marvel Comics, e que foi trazido para uma longeva fase no Lanterna Verde com a missão de reestruturar o personagem. Eram os anos 90 em que a editora estava passando por várias reformulações em suas revistas principais em busca de uma visão mais sombria das mesmas. Tivemos neste contexto, por exemplo, “A Morte do Superman” e “A Queda do Morcego” (Batman), mas isso nem sempre significava qualidade nas tramas elaboradas.  

Muito do que foi produzido nesta década nas histórias em quadrinhos sofreram muitas críticas que, de fato, refletiu das vendas. No entanto, essa fase do Lanterna Verde por Ron Marz é, literalmente, considerada uma esmeralda entre tantas narrativas ruins e puramente voltadas apenas para o choque barato comprometida com a vendagem das revistas.  

O roteirista tem ótimas ideias de como criar em cima das, sempre presente, exigências dos editores e constrói muito bem os laços para a derrocada do experiente, e muito querido, Hal Jordan ao mesmo tempo que consegue rapidamente apresentar um substituto que já tem todas as qualidades necessárias para angariar empatia imediata dos leitores. Não há o que falar da construção de enredo elaborada pelo quadrinista em sua qualidade narrativa buscando motivações bem claras e, até verossímeis, para o estado das coisas e influenciadores de tudo que está acontecendo aqui. 



Entretanto é no desenvolvimento da estória que o roteirista incomoda um pouco. Algumas escolhas narrativas ficaram meio superficiais em que, uma dramaticidade mais complexa e aprofundada, poderia refinar ainda mais sua escrita. Entendemos o drama que Jordan está passando de uma maneira demasiadamente expositiva sem uma melhor qualidade da forma que isto é colocado nas páginas e sem uma desenvoltura mais eficiente do roteiro. É válido ressaltar que editoras grandes costumam a intervir demais em seus títulos principais, como o caso do Lanterna Verde, e tais decisões podem ter partido dos editores e o autor apenas tentou equilibrar as exigências com seu próprio planejamento. 

Temas tão densos e complexos deveriam ser melhor tratados de qualquer forma e o mesmo problema de desenvolvimento volta a acontecer com a apresentação do novo Lanterna Verde. Temos nesse arco um personagem bem próximo ao super herói genérico da época. Aquele personagem que não está pronto para as responsabilidades recebidas e que não entendemos claramente os motivos que o levaram a receber tal honra. Algo já visto em muitas estórias de origem incluindo com os próprios Lanternas Verdes.  Rayner é parecido demais com Jordan e, se isso fosse colocado em confronto no enredo, até poderia ter rendido boas narrativas. Aliás, a ascensão de um e queda do outro poderiam bem ter sido contadas em paralelo e não da forma linear da finalização de um e surgimento de outro depois, pois assim o leitor deve buscar por si só a ligação. 

Novamente, isso tem a cara de ser bem uma decisão editorial em que um arco Crepúsculo Esmeralda, conta a queda e, Novo Amanhecer, conta o surgimento e ascensão do outro. Tudo redondinho demais em um didatismo que subestima o leitor e perde a oportunidade de levar a estória a temas melhor elaborados. E vale lembrar que ambos os personagens são abordados novamente mais tarde com mais refinamento narrativo e principalmente, Kyle Rayner, ganha características muito próprias se tornando um dos Lanternas de maior destaque e lembrado com carinho pelos leitores até os dias de hoje.  



Talvez deveríamos também contemporizar sobre certa polêmica de uma das passagens dessa história em quadrinhos quanto ao que acontece com a namorada do novo Lanterna Verde. A cena em questão causou um pouco de insatisfação, não apenas por esse caso especifico, mas por ser mais uma de tantas vezes que a namorada do super herói é retratada apenas como uma vítima em potencial dos vilões e como recurso narrativo para atrapalhar o protagonista. A cena aqui é um pouco forçada e um enorme desperdício da personagem que só fará algum sentido bem mais tarde, embora nunca receba o peso devido.  

Tal desapontamento chegou até a gerar os excelentes textos de Gail Simone, quadrinista famosa por sua passagem pela Mulher Maravilha, que refletem bem sobre a questão das personagens femininas quase sempre serem retratadas apenas como vítimas coadjuvantes. Seu site próprio de postagens chegou até a se chamar Women in Refrigerators e muito dos seus trabalhos iniciais foram um reflexo desses apontamentos. Por isso na cultura nada pode ser realmente desprezado e muitos temas e abordagens, mesmo equivocados, podem servir de reflexão tendo uma importância enorme para seus apreciadores.  

A arte desses arcos fica a cargo de vários desenhistas, mas mesmo assim são bem próximas nos traços não causando estranhamento algum pelas mudanças de ilustradores e são muito competentes para histórias em quadrinhos de super heróis. Os anos 90 tem desenhos muito carregados cheio de detalhes, por vezes até desnecessários, mas aqui encontramos uma arte limpa e muito bonita que ilustra com excelência os combates e as cenas de ação, bem como tem uma narrativa gráfica objetiva deixando a transição dos quadros clara o suficiente para que detalhes de um enredo espacial sejam bem percebidos e apreciados.  

No geral, apesar de alguns pontos negativos, Lanterna Verde: Crepúsculo Esmeralda e Novo Amanhecer são dois arcos de histórias em quadrinhos com qualidades que se sobressaem muito se comparadas ao que estava sendo produzido nos anos 90 fazendo parte de uma das mais importantes fases do personagem se tornando referência para muitas tramas futuras e indispensável para entender a trajetória tanto de Hal Jordan como de Kyle Rayner até os dias de hoje. Bem como reflete sobre o papel dos Lanternas Verdes no Universo da DC Comics trazendo também certas reflexões de como algumas questões delicadas podem ou devem ser tratadas em histórias em quadrinhos de super heróis.   

  

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