segunda-feira, 14 de junho de 2021

Capitão América: O Novo Pacto


“Eu odeio a guerra. Odeio como somente um soldado que a viveu pode odiar, como quem testemunhou sua brutalidade, sua inutilidade e sua estupidez.” 

Dwight Eisenhower, ex-presidente e general dos EUA 

 

Lançado em 2002 com os argumentos de John Ney Rieber e desenhos de John Cassaday tendo o objetivo de trazer o personagem para os novos tempos principalmente refletindo sobre o lugar do heroísmo do Sentinela da Liberdade após os ataques do 11 de Setembro no contexto da chamada Guerra ao Terror. Assim, Steve Rogers convive com a falha de não ter detido a tragédia e iniciando uma cruzada em busca dos responsáveis ao mesmo tempo que busca mostrar, e inspirar, o que entende como correto em um mundo altamente polarizado em que o medo tornou os estadunidenses ainda mais intolerantes e sedentos por vingança.  



quadrinhista John Ney Rieber recebeu missão de trazer o Capital América a sombria (e traumatizada) atualidade em que os Estados Unidos não entendem mais claramente quem é seu inimigo. Da mesma forma que Warrem Ellis fará posteriormente com o Homem de Ferro no arco ExtremisRieber teve grande destaque no título Livros da Magia da editora Vertigo e agora traria o Sentinela da Liberdade em uma versão mais “adulta” pelo selo Marvel Knights. 

Para esse projeto foi chamado o artista John Cassaday por seus desenhos realistas e narrativa concisa que traria o visual necessário para deixar o leitor dentro da proposta dessa obra. Seus enquadramentos são claros e objetivos tendo certo dinamismo nas passagens sequenciadas lembrando muito os filmes de espionagem ou de guerra contando a estória com o peso necessário ao clima do enredo. Cassaday já tinha larga experiencia com histórias em quadrinhos tendo no currículo títulos como Ghost pala Dark Horse; Jovens Titãs, Flash e Batman pela DC Comics e Union Jack, Excalibur e X-Men pela própria Marvel Comics. 



Sempre que nos deparamos com o Capitão América é comum que tomamos a publicação apenas como propaganda estadunidense. O personagem literalmente usa a bandeira dos Estados Unidos em seu uniforme e foi criado justamente como publicidade durante o esforço da Segunda Guerra Mundial. No entanto, não são muitas de suas revistas que realmente são tão panfletárias em uma total pieguice patriótica. Claro que existem defesas ao chamado “modo de vida americano”, mas geralmente são quadrinhos também carregados por críticas 

Bem... em O Novo Pacto encontramos um pouco de ambos, ufanismo e crítica política. Rieber tem obviamente uma pretensão de glorificar a nação estadunidense terrivelmente traumatizada pelo 11 de setembro e isso é bem claro nas primeiras páginas da publicação. Assim o Capitão América mais uma vez seria usado (como mostrava sua publicidade nos anos 80) mais do que um mero super herói, mas como um símbolo. Entretanto a primeira pergunta a ser respondida aqui é se cabe um símbolo tão antiquado nos tenebrosos dias atuais. 

O personagem originalmente tinha sido gerado por uma época mais ingênua e simplista onde, claramente, se sabia diferenciar o bem do mal, ou melhor, acreditavam, sem dúvidas, em tal diferenciação. Hitler e os nazistas eram claramente retratados como malignos e que ninguém duvidava que deveriam ser impedidos. Com o fim dos combates veio outro chamado de Guerra Fria e os soviéticos eram o vilão da vez tão caricatos na mídia, incluindo os quadrinhos, que foi fácil trazer o Capitão América de volta para combater os comunistas.  

Entretanto um certo 11 de setembro de 2001 evidenciou o que os estadunidenses ainda não compreendiam no pós Guerra Fria. O inimigo não era mais declarado. Não tínhamos mais tal polarização e, muitos do antes aliados, eram agora ressentidos com as práticas e intervenções dos EUA pelo mundo. Em tais esforços bélicos e ideológicos, os Estados Unidos tinham cometidos erros demais e tanto as comunidades estrangeiras bem como seu próprio povo tinham adquirido desconfianças se não como nação, mas como intenções governamentais.   

Havia uma ferida, em verdade, aberta desde a Guerra do Vietnã, que os assombravam e os faziam duvidar da pátria como uma nação benevolente que os séculos anteriores pareciam ser tão claros. Era difícil neste contexto um protagonista tão ávido defensor do “modo de vida americano”. Capitão América era um título que já fora cancelado no passado, mas a Marvel Comics agora preferia outra abordagem e adaptá-lo ao novo tempo era a missão de John Ney Rieber. 



Logo, ao invés de uma revista altamente panfletária, temos uma transição do título para estórias mais sombrias e criveis que criticam a visão ingênua em que o Sentinela da Liberdade era tratado antes, ao mesmo tempo que não tornaria o Capitão diferente de sua personalidade original o deixando sínico e exageradamente conservador como seria feito pelo quadrinista Mike Millar em Os Supremos no mesmo ano de 2002.  

Aqui temos um Capitão América quase anacrônico que procura entender em que mundo está inserido agora e qual será tanto o seu papel como o do povo estadunidense nessas novas tragédias. O mesmo declara que é o momento mais escuro vivido pela sua pátria e que é justamente nesse momento que todos podem se perder como nação.  Assim o quadrinista já começa a explorar suas críticas mostrando que o revanchismo não pode configurar a reação dos EUA seja como Estado seja como sua população.  

Temos, inclusive, uma cena muito enfática em que o Capitão salva um mulçumano, mas cidadão estadunidense, de um linchamento nas ruas de seu país, que foi movido pela raiva do seu povo aos ataques do 11 de setembro. Uma parte importante do material em que seu autor define quem é o inimigo agora e que o mesmo não pode mais ser visto preto e branco como antes. Não estamos mais na simplicidade de rótulos para os verdadeiros vilões. Não era mais possível resumir o inimigo superficialmente com nomes como nazistas, comunistas ou agora islâmicos. Temos os chamados “cidadãos de bem” que vivem honestamente “pagando seus impostos” nos Estados Unidos, mesmo sendo islâmicos. Pensar diferente disso seria Xenofobia que, talvez, seja o mesmo sentimento dos oponentes. 

Assim o Capitão novamente é usado como símbolo que agora não estava mais preocupado apenas em dar um soco no Hitler, mas que sua própria nação não se perdesse ao terror do medo e ódio.  Rogers deveria ser um guia para uma direção mais correta que nem os políticos e alguns oficiais militares conseguem mais seguir, seja por descaso, ganancia ou ignorância.  A tocha da liberdade que deveria afastar as sombras que penetraram em sua nação junto a fuligem e fumaça da destruição das Torres Gêmeas.  

O momento mais escuro dos Estados Unidos que são ameaçados a se perderem de si mesmos e se desmantelarem ideologicamente. A missão assumida pelo quadrinista era representada pelo protagonista de manter os EUA... unidos. O único esforço que poderia ter realmente vitória contra o terrorismo e que não se cometesse os mesmos erros do passado... que foram muitos. 



A crítica de O Novo Pacto também é bem clara de culpar os Estados Unidos por muito do que está acontecendo e tais erros, deliberados ou não, tem sua parcela real que influenciou os ataques do 11 de setembro. Isso vai cada vez mais ficando claro para o próprio Capitão América no decorrer da narrativa que o faz perceber mais sua necessidade de se voltar ao seu povo do que à cata de inimigos do outro lado do mundo, aliás essa é a grande questão e resposta. 

Em uma época em que o inimigo não está mais tão claro e que não apenas pode estar dentro dos Estados Unidos, mas também pode fazer o próprio país se tornar o inimigo em uma nação perdida pela vingança. Quem são agora os heróis e, se o Sentinela da Liberdade for um deles, o que devem representar? Temos uma narrativa também intimista que o próprio Rogers duvida de suas ações, mas não em um sentimento derrotista e sim em refletir mais no significado que suas ações podem representar ao seu povo e como pode motiva-los a se manterem firmes e de boa conduta nesse momento tão desesperador.   

O quadrinista determina bem que o povo é a resposta e a mensagem são claramente para eles, como leitores. O povo é diferente dos seus governantes. O Capitão América é diferente dos cães de guerra. A nação não é o Estado e sim as pessoas. Assim a crítica vai a burocracia insensível do governo estadunidense que visa apenas seus interesses arrasando ainda mais os lugares que diz levar a liberdade. Tais guerras mataram não aqueles que a provocaram, mas os inocentes que existem de todos os lados do conflito.  

Tais inocentes são muito bem retratados em um momento muito angustiante próximo ao final da publicação em que são mostradas crianças mutiladas por minas terrestres que obviamente não foram retiradas pelos países em conflito após o final da guerra. São vítimas anônimas que vão configurar o mais próximo que temos de vilão nesta estória. Padecedores da corrupção de homens inescrupulosos cuja a ganancia incomensurável devastou toda a inocência de eras passadas. 



Assim O Novo Pacto coloca o Capitão América em um território mais maduro buscando, pelo que o próprio Sentinela da Liberdade representa, seu lugar nesse atual mundo de vilões insondáveis e tons de cinza ideológicos em que não fica mais claro o que o sonho americano realmente significa.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário