domingo, 28 de fevereiro de 2021

Lobo Solitário: Uma Barreira sem Portões


“A Chegada do Inverno” 

 

Uma Barreira sem Portões é o segundo volume do mangá Lobo Solitário que continua a estória de um Rônin e seu filho pela tortuosa estrada do Meifumadô (O Caminho dos Assassino). Neste capítulo, dividido em cinco partes, Ogami Ittô se dedica exclusivamente ao seu trabalho como assassino errante deixando um pouco de lado sua vingança, onde, parece, que ele busca juntar o máximo de recursos que possam ser necessários para seus planos. Se você quiser saber mais sobre sua criação e seus autores leia nossa resenha O Lobo Solitário. Também temos a resenha do primeiro volume Lobo Solitário: O Caminho do Assassino. Se continuar por aqui, terá uma análise crítica mais profunda do segundo volume. 

Assim, neste arco, não temos muito a evolução da estória do Lobo Solitário, mas sim cada parte dedicada a um de seus contratos de assassinato. No entanto, o enredo não cai na mesmice de forma alguma fazendo de Kazuo Koike um ótimo construtor de tramas bem elaboradas e complexas. Se no volume anterior vemos as estratégias do Rônin sendo bem planejadas e executadas, agora temos sempre um esforço narrativo muito bem vindo para tornar o contexto, em que estão inseridos seus contratantes e alvos, surpreendente e muito interessantes. 



É incrível como o mangaká consegue elaborar tramas minuciosas e, por vezes até sinuosas, surpreendendo o leitor mesmo que saiba da premissa básica da publicação. O domínio que ele tem da funcionalidade burocrática e dinâmica do sistema feudal japonês enriquece ainda mais a trama e rapidamente de coloca no contexto da Era Edo, retratada no mangá. São tantos cargos, senhores de terras e clãs com interesses distintos e, quase sempre mesquinhos, que joga uma estória que poderia ser apenas de ação, para intrigas sofisticadas e que prendem inexoravelmente a atenção do leitor para cada detalhe narrado. 

O clima de tensão apresentado no arco anterior é melhor desenvolvido neste representando bem o período histórico de estabilidade, ainda, não muito concretizada fazendo do inverno uma alegoria narrativa. Ora de a estação é justamente um tempo de reclusão onde os combates são deixados de lado para o protagonismo da intriga e acordos escusos ou secretos.   

Entretanto, em momento algum as cenas de ação e combate deixam de ser vigorosas e impactantes. O Lobo Solitário é um guerreiro implacável, mas longe daquele estereótipo clássico dos protagonistas japoneses. Ogami Ittô também é falho e vulnerável e isso se mostra um pouco nesse volume. Tal fragilidade deixa o protagonista mais recluso aqui e novamente temos uma alegoria ao inverno como uma estação de reclusão e reflexão. Alguns embates filosóficos são apresentados neste arco e a relação do Lobo Solitários com o mundo em sua volta, principalmente o vínculo com seu filho, que embora ele, diferente do volume anterior, não o tenha usado em suas estratégias deixando muitas vezes a criança longe do perigo, o menino ficou em várias situações de quase morte.  



Acredito que a intenção dos autores era mostrar outra face do Lobo que não é tão insensível como aparentava e, em momentos, se mostra realmente preocupado com a saúde e estado da criança. Relação essa que deve ser ainda mais abordada no mangá. O inverso também é mais visível agora mostrando o pequeno Daigoro quase sempre preocupado com o pai, o que era esperado, mas também mostrou o menino amadurecendo rápido seguindo os seus passos, como observado em certo momento por um dos personagens que notou no garoto os “olhos de quem transita no mundo os vivos e dos mortos” ou como chamou shishougans, que é adquirido por aqueles que já presenciaram mortes demais em sua vida.    

Esses dois volumes em comparação mostram mais evolução de personagens que eu estava esperando, principalmente do garoto e, particularmente, eu gostei mais ainda deste segundo com uma narração bem mais aprofundada, desenvolvida e madura, embora não tenha evoluído tanto a trama principal. A trama equilibrada e enredo complexo acompanham muito bem os ótimos desenhos incrivelmente belos quando devem ser e com uma fluidez impar nas cenas de ação e duelos deixando-os ainda mais eletrizantes.  

Por várias vezes temos um destaque incrível aos traços de Goseki Kojima que consegue transmitir a estória apenas com sua arte, extremamente competente, sem ao menos uma letra de escrita de Koike. Páginas narradas sem falas são possíveis apenas por uma sinergia completa entre artista e argumentista onde um desenhista inferior não seria capaz de reproduzir as ideias do escritor sem o suporte das falas ou explanações. 



As estratégias do Lobo Solitário continuam incríveis com um destaque para a missão da prisão em que somos mostrados a detalhes de como funcionavam as penitenciárias no período para que consigamos compreender melhor a linha de raciocínio do protagonista em seu elaborado plano. Bem como precisamos estar familiarizados com a alta burocracia feudal, apresentada até aqui, para absorvermos todos os detalhes narrados em “A Chegada do Inverno” ou as hipocrisias da sociedade japonesa para desbaratar a trama estabelecida na parte final deste segundo volume do mangá.  

Aliás não se perderam as críticas à sociedade onde os autores mostram sua cultura ancestral ainda imaculada, mas povoada por toda a sorte de facínoras e corruptos que ou não compreendem bem o significado de honra ou simplesmente o pervertem para servir aos próprios interesses. Mais uma vez somos jogados aos contrastes das classes sociais antigas do Japão onde não necessariamente os privilegiados tem mais educação e honradez, mostrando que as castas mais baixar podem demonstrar dignidade ilibada e, por vezes, melhor compreensão do bushido que os próprios samurais e seus lordes.   

No fim esse segundo volume consegue ser melhor ainda que o primeiro, que já era ótimo. Evolui e aprofunda muito o que já foi apresentado tanto em enredo como em técnicas narrativas mantendo a qualidade da arte extrapolando sua beleza em alguns momentos pontuais. Os personagens principais tem um desenvolvimento bem maior agora onde o leitor pode compreende-los melhor e, talvez, simpatizar ainda mais com seus dramas e motivações. A impressão adquirida no primeiro volume de que essa obra realmente faz jus a toda aclamação dos leitores, tanto no oriente quanto no ocidente, é confirmada nesse segundo tornando o Lobo Solitário um dos mangás imprescindíveis para qualquer apreciador da nona arte.  

 

“Por que a neve cai dos céus...? As pessoas não sabem o porquê, só sabem que sentem frio... sem saber, no entanto, que a própria neve não sabe que causa frio nas pessoas...”   


Leia também a resenha do próximo volume...  

 

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