quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Black Hammer: O Evento


O Evento é o segundo arco (e encadernado) de Black Hammer, uma história em quadrinhos criada e roteirizada por Jeff Lemire com artes de Dean Ormston e cores de Dave Stewart publicada pela Dark Horse em 2016 e trazida ao Brasil pela editora Intrínseca em 2018. Nessa continuação temos o desenrolar da grande reviravolta que aconteceu ao final do arco anterior com novos e, por vezes, imprevisíveis desdobramentos onde nos aprofundamos ainda mais no enredo apresentado anteriormente ao mesmo tempo que a trama evolui a pontos que o leitor sequer poderia imaginar.  

Para maiores informações sobre o encadernado anterior, leia nossa resenha Black Hammer: Origens Secretas e se você também quiser saber mais sobre a criação desta brilhante obra e de seus autores leia também Black Hammer: Apologia ou Desconstrução dos Super Heróis?   

Este segundo encadernado consegue manter toda a qualidade do arco passado ao qual foi tão aclamado (e premiado) aprofundando mais nos mistérios que cercam o enredo sem entregar demais rumando à uma finalização posterior, e provavelmente, reveladora. A trama agora é conduzida e guiada pela nova personagem que chega na fazenda e, diferente dos heróis já cansados e quase acomodados à sua situação, ela dá um novo gás as investigações dos mistérios da fazenda Black Hammer, mas principalmente de Rockwood, o vilarejo próximo.  

Assim, somos apresentados a detalhes não antes percebidos, mas que faz toda a diferença na estória dando um ar de mistério ainda não alcançado antes. Somos chamados a investigar juntos as bizarrices e estranhezas do lugar refletindo sobre a natureza não apenas das localidades, mas também dos motivos para que os super heróis de Spiral City tenham parado ali e o que os prendem.  

Tudo isso em uma narrativa precisa dos criadores da obra que encantam o leitor no desenvolvimento da trama e revelações do seu passado, pois aqui ficamos sabendo mais sobre como se deu o chamado O Evento e os motivos para super heróis independentes estarem ali lutando juntos. No entanto, a estória ainda consegue nos surpreender, também, no aprofundamento dos personagens já apresentados no encadernado passado criando ainda mais camadas e tornando o leitor mais “intimo” gerando maior identificação a afinidade com os protagonistas. 



Um dos destaques fica por conta de Barbalien, que já era extremamente cheio de nuances e agora tem sua narrativa evoluindo em momentos de muita coragem do personagem, ao mesmo tempo que nos apiedamos dele em seus momentos de frustações, que acaba o conectando mais ainda a sua grande amiga Gail, A Menina de Ouro que agora passa por acontecimentos muito próximos ao que ocorreu no passado do alienígena gerando uma identificação mútua de amizade e cumplicidade, talvez, impar a todos os personagens da trama.  

Podemos também acompanhar o outro lado de Abraham Slam onde podemos ver alguns dos momentos mais sombrios de seu passado que o levaram a radicalizar em seu conceito de combate ao crime influenciado por algumas verdades ditas a ele no arco anterior. O mesmo ocorre com o Coronel Weird em que visitamos algumas de suas sombras além de termos revelado melhor o passado de sua companheira robótica Talky Walky, uma personagem um pouco negligenciada até aqui, mas que ganha um destaque bem maior agora.  

Aliás a edição sobre como o Coronel encontrou Talky Walky é a única desenhada por outro artista, o escritor e quadrinista espanhol David Rubín que além de trabalhar com várias histórias em quadrinhos também é animador envolvido em alguns longas metragens como O Espírito da Floresta de 2008 e um dos fundadores do coletivo de quadrinhos Polaqia. Embora exista uma boa justificativa para a arte mudar nesta edição, Rubín consegue emular bem os traços de Ormston não causando estranheza ao leitor e nos brindando com desenhos belíssimos. 



Entretanto a cereja do bolo deste encadernado talvez sejam as revelações do passado do poderoso super herói Black Hammer. Como construído anteriormente, em outros personagens, Lemire usa também aqui de referências ao universo dos quadrinhos para compor seu personagem que tem influências das revistas do Thor (também um pouco de Quarteto Fantástico) da Marvel Comics: bem como dos Lanternas Verdes e dos Novos Deuses do Quarto Mundo da editora DC Comics em uma clara homenagem ao mestre Jack Kirby em suas estórias com enredos especiais e cósmicos em uma mistura orgânica de fantasia e ficção científica.  

Tudo isso amarrado ainda em uma narrativa que faz uma leve referência ao Blacksploitation, um movimento artístico estadunidense iniciado nos anos 70 que tinha como caráter priorizar a comunidade afro-americanos como consumidora de cultura trazendo personagens (e, por vezes, autores) negros gerando maior identificação com os mesmos. Assim Black Hammer não é apenas afrodescendente, mas traz consigo todo um universo de poderes e entidades cósmicas também negras.  

Para saber mais sobre Blacksploitation leia a nossa resenha Luke Cage e a Questão da Representatividade Negra. 



Assim, mais uma vez, nos identificamos rapidamente com o personagem sentindo o peso de suas responsabilidades e rapidamente compreendendo as dificuldades dele de manter sua vida de super herói em escala cósmica com a vida comum de pai de família. Aqui está uma das maiores qualidades deste material, dar dilemas bem comuns e cotidianos a super heróis tornando-os mais humanos e falhos trazendo a estória para a vida dos leitores. 

Jeff Lemire é um mestre em transitar entre o espetacular e o mundano, algo não inédito nos quadrinhos, mas utilizado aqui com incrível habilidade e equilíbrio fazendo um enredo orgânico que o leitor se identifica com a própria vida ao mesmo tempo que tem elementos fantásticos absurdos, mas críveis pela própria técnica narrativa de alta qualidade.  

Muitos podem entender este arco como apenas uma continuação. Uma extensão do encadernado anterior que serve não mais como a transição da estória onde o enredo se desenvolve mais um pouco, personagens são aprofundados à medida que novos vão surgindo. Talvez seja realmente isso. No entanto, os autores o fazem com uma maestria espetacular entregando o suficiente para manter o leitor preso a trama que claramente foi bem construída em todo o tempo que foi maturada como projeto e desenvolvimento.  

Logo é muito difícil que os apreciadores da estória até aqui se decepcionem com esse arco e não tenham um certo grau de ansiosidade para saber como vai ser o desenrolar deste enredo tanto quanto o que ocorrerá com estes personagens que foram tão bem apresentados a ponto de que em tão poucas edições já tenham carisma e identificação profunda para aqueles que tenham acompanhado a jornada até aqui.  


 

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