segunda-feira, 22 de março de 2021

Black Hammer: Era da Destruição parte I


Era da Destruição é a primeira parte do terceiro arco (e encadernado) de Black Hammer, uma história em quadrinhos criada e roteirizada por Jeff Lemire com artes de Dean Ormston e cores de Dave Stewart publicada pela Dark Horse em 2016 e trazida ao Brasil pela editora Intrínseca em 2018. Nesse novo volume temos o desenrolar da grande reviravolta não apenas na trama, mas também em sua narrativa fazendo que a estória evolua significativamente onde muitas das perguntas dos arcos anteriores são respondidas dando uma guinada no enredo apontando para seu inexorável desfecho que deve acontecer ainda no próximo e último volume desta brilhante saga da nova arte.  

Para maiores informações sobre os encadernados anteriores, leia nossa resenha Black Hammer: Origens Secretas e Black Hammer: O Evento. Se você também quiser saber mais sobre a criação desta brilhante obra e de seus autores leia também Black Hammer: Apologia ou Desconstrução dos Super Heróis?    

Assim tínhamos tudo para ter um encadernado que serviria de transição apenas ligando um ponto ao outro da estória, mas não é o que acontece aqui. Temos uma continuidade digna da publicação em que somos guiados pelas investigações da Black Hammer (ou Lucy Weber). E, apesar de parecerem bem confusas no início, finalmente chegam em algum lugar e podemos ser surpreendidos com algumas revelações e entender melhor qual é o verdadeiro papel de alguns personagens na trama que foi criada desde o primeiro volume.  

Houveram muitas críticas sobre esse volume, mas receio que boa parte delas seja o estranhamento que causa na mudança quase sutil de narrativa onde temos dois volumes que praticamente servem para desenvolvimento de personagens com a trama tendo seu desdobramento bem lentamente, mas agora temos uma evolução significativa de toda intriga cujo enredo se destaca bem mais na estória que os próprios personagens já apresentados.  

A trama se torna, finalmente, protagonista e o primeiro problema que podemos refletir sobre isso é que se a estória não for entregue a contento, principalmente as revelações desde volume, pode gerar uma decepção aos leitores que, não tem mais uma narrativa que priorizava os personagens bem construídos que tanto foram amados e bem quistos. No entanto, minha leitura é que isso não ocorreu, pois, toda a construção de personagem tem uma significância marcante para entender a reação de cada um as revelações e as motivações que os levaram a agir como agiram, dando uma continuidade coerente a trama apresentada. 


Outro ponto é que as revelações funcionaram totalmente e não decepcionam nem um pouco. Nem com a mudança narrativa que teremos a partir de agora perde o ritmo, muito pelo contrário. Já era imaginado que tudo seria diferente do que prevíamos e que o enredo tomaria mesmo outro caminho. 

Enredos investigativos, quando bem trabalhados, podem se tornar mais interessantes do que qualquer gênero narrativo e é o que acontece aqui. Embora as loucuras e metáforas subjetivas que ocorrem no início deste volume poderiam ter deixado tudo confuso demais, acabou por apresentar uma fábula ainda mais complexa e cheia de camadas mostrando que esse universo é ainda muito maior do que foi, e talvez, será apresentado.  Esse recurso gera uma sensação incrível de verossimilhança que constrói um universo coeso e crível onde não fica a impressão que tudo ali foi criado apenas para uma história em quadrinhos curta.  

Provavelmente este seja o volume que mais apresenta possibilidades para que outras estórias sejam narradas nesse mundo criado por Lemire ao mesmo tempo em que o autor extrapola as homenagens a nona arte cruzando algumas linhas que não tinham sido feitos até aqui, como algumas auto referências e a brilhante citação a obra de Neil Gaiman chamada Sandman, uma das maiores histórias em quadrinhos de todos os tempos.  

Temos então um amadurecimento do que tinha sido apresentado até então que, só seria possível pela empatia criada aos protagonistas de Black Hammer, antigos e novos. E mesmo sendo movidos agora pelo enredo, reagem de maneira convergente às suas personalidades construídas até este ponto e, apesar das revelações mostrarem outras facetas mais profundas dos mesmos, isso ocorre de maneira muito natural e fluída demostrando uma habilidade incrível de Lemire não apenas como criador de estórias, mas também como seu condutor narrativo.  

Toda história de mistérios tem o sério risco de decepcionar quando perguntas começam a ser respondidas e todo um esforço se faz necessário para que a qualidade continue e que depois dos mistérios mais importantes sejam revelados ainda exista interesse no consumidor desta obra. O autor o faz de uma maneira incrivelmente satisfatória demonstrando que todo o emprenho e preparação árdua, como foi considerado em nossa primeira resenha de Black Hammer, foi essencial para construir uma série consistente e de alta qualidade. 


As revelações importantes antes do final não estragam, de forma alguma, a experiência de leitura nem desmotiva o seu leitor pela obra, pois Lemire sabe bem como construir a tensão e mesmo que aqui a pergunta principal, de como os super heróis tenha vindo parar na fazenda, tenha sido finalmente respondida, ainda não sabemos como eles irão resolver os problemas de tal implicação os levou aquele local e ponto terminando o encadernado com um baita gancho ainda mais instigante que as reviravoltas finais dos arcos anteriores. 

Assim tais respostas também trazem consigo dilemas morais, de muitas formas, inexoráveis que impactam profundamente não apenas os personagens como todo, mas também o rumo que o enredo os levará a partir de agora. Esses impasses e reveses são muito característicos de histórias em quadrinhos de super heróis se firmando como mais uma homenagem ao gênero, agora não apenas ao estilo visual ou narrativo, mas também as suas próprias abordagens, mostrando a desenvoltura e, talvez, genialidade do autor em questão.  

Todas as tramas e subtramas apresentadas, todos os meandros de intrigas e revelações que os personagens percorrem, e alguns causam, e toda a linha tortuosa, mas bem fundamentada, que Lemire constrói não faz de Black Hammer uma publicação impar apenas entre seus próprios títulos (que aliás são quase sempre espetaculares) ou entre as histórias em quadrinhos de super heróis que o autor homenageia. Não. Essa produção se destaca também entre toda a nona arte seja para o grande público (mainstream) ou para poucos (underground).  


Temos aqui, neste terceiro volume, mais uma oportunidade de apreciar um dos melhores quadrinhos já produzidos e mais uma defesa de que Lemire é um dos maiores argumentistas e criadores de arte sequenciada da atualidade. É mais uma chance para perceber que estamos em mãos de um material que realmente mereceu os prêmios que recebeu e a aclamação de muitos leitores. Uma daquelas histórias em quadrinhos que eleva o respeito à sua arte ao mesmo tempo que tem a possibilidade de agradar não apenas críticos e profundos conhecedores, mas aqueles que nuca se depararam com a apreciação de uma revista em mãos.  

E que venha o último volume!

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