domingo, 4 de julho de 2010

Como Sempre

Acordo e me sento na cama como faço todos os dias. Não entendo isso, mas faço. Como sempre. Não tenho mais motivo nenhum para levantar, mas ainda assim eu acordo. Não sei o porquê.
Estou todo suado como sempre. Tive pesadelos horríveis. Sonhei com minha família como sempre. Acordo com uma sensação de vertigem. Tudo em volta tem um ar onírico e como sempre eu sinto que não descansei o suficiente...
Isso é verdade, pois além de ainda doerem todos os meus ferimentos, como sempre não dormi à noite e o sono perturbador chegou apenas de manhã, quando os primeiros feixes de luz atravessaram as frestas da minha janela iluminando escassamente meu quarto.
Agora a luz está mais forte, já se passou do meio dia, e posso ver a bagunça e desordem que se tornou meu quarto. Não tenho vontade de arrumar, pois na verdade eu não tenho vontade de mais nada.
Vejo a arma colocada despojadamente ao lado da minha cama. Eu a seguro com minha mãe direita. Leve. Tem apenas uma bala. A mesma bala que eu deixo todas as noites, pois toda a manhã eu faço esse mesmo ritual.
Como sempre.
Desde pequeno eu escuto as pessoas falando que se eu continuar vivendo da forma que vivo uma bala me estaria esperando no fim. Isso é verdade. Essa é a bala e todas as manhãs eu penso em acabar com minha angústia.
A bala que me faria encontrar os amores da minha vida.
Levanto-me e mesmo nu eu abro a janela. Não há quase ninguém nessa cidade desgraçada. Todos já foram para suas famílias nesse feriado e eu ainda estou aqui. Dias de silêncio onde eu quase não escuto minha própria voz. Apartamento vazio e escuro onde nem à noite eu me importo de acender as luzes. Sozinho como sempre e mesmo que estivesse uma multidão aqui eu ainda estaria só...
Ando descalço pelo chão de tacos malcuidados e não me importo com os cortes que os cacos de vidro causam ao pisar neles. Já tive ferimentos piores.
Lembro da minha amada e volto a pegar a arma.
A vida era mais fácil mesmo antes de conhecê-la. Meus inimigos eram óbvios. Amarelos comunistas. Eu atirava e eles morriam. Simples. Preto e branco.
Entretanto tudo está diferente agora. Não mais posso determinar o mal. Melhor. Não vejo mais a diferença entre bem e mal. Estou em uma cidade suja em um país impregnado pela corrupção.
Então eu escuto uma sirene e me lembro.
Como sempre.
Lembro o porquê eu não meto uma bala na minha cabeça miserável.
Ainda há bandidos lá fora.
Assassinos, estupradores, ladrões e todo o tipo de escória que nossa sociedade pode produzir. Um câncer que deve ser curado, ou melhor, que deve ser extirpado.
Eu devo punir porque ninguém mais faz isso!
Coloco a arma de novo ao lado da cama.
Um dia vou apertar novamente o gatilho, mas não será hoje.
Hoje eu tenho um trabalho a fazer.

8 comentários:

  1. Sem dúvidas um ótimo início para um romance!
    Adorei, principalmente o final!

    Lembrei do rorschach!

    Hauhsduhsadhusadhusahdusahu

    Abraços

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  2. Então Math,

    essa era pra ser um conto baseado no personagem da Marvel chamado Justiceiro!
    Achei melhor deixar no ar sabe?
    A estória fica mais ampla!
    E de certa forma vc acertou, pq Rorschach foi realmente inspiado no Justiceiro!

    Muito obrigado pelo comentário!
    Valeu o toque tmb!

    Acho q vou demorar a postar novamente!

    Abraços

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  3. Dramático,bonito e capaz de nos tirar do lugar.

    Gostei,Fábio...

    Mas confesso que fiquei aflita.

    Bjinhos***

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  4. Oi linda,

    muito obrigado pelos elogios!

    Desculpa, mas q bom q ficou aflita!
    Era essa emoção q eu queria dos leitores!

    Obrigado por comentar sempre!

    Beijinhos pra ti tmb!
    E volte a escrever heim?

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  5. "A vida era mais fácil mesmo antes de conhecê-la." falou oq penso todos os dias em que acordo...quem sabe em um desses dias naum acorde pra pensar dessa forma..ADOREI O TEXTO COMO SEMPRE...

    XEROOOOOOOO

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  6. Ôh, lidinha

    muito obrigado pelo comentário viu?
    Espero q tenha gostado mesmo!

    Beijinhos

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  7. Muito bom, profundo, claro e empolgante de ler. Detalhes no tom certo, emoção com ar de seriedade, só tenho a parabenizar!

    Abração

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  8. Opa,

    muito obrigado pelo comentário Jairo!

    Valeu mesmo!

    Abraços

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