sexta-feira, 8 de março de 2019

Capitã Marvel e a Representatividade Feminina


Carol Susan Jane Danvers é uma personagem fictícia criada pelos quadrinistas Gene Colan e Roy Thomas para a editora Marvel Comics em 1967. A heroína teve várias encarnações e nomes diferentes em suas várias fases bem confusas e com grande diversidade de roteiristas e artistas, mas inicialmente ela surgiu para ser apenas uma coadjuvante nas revistas do Capitão Marvel e logo acabou  se tornando o par romântico de Mar Vell capitão e membro da raça alienígena Kree.
Nesse início Carol não passava de parte de um triângulo amoroso entre ela, o Capitão Marvel e outra personagem chamada Una. Aqui Danvers ainda não tinha super poderes, mas era renomada major da Força Aérea dos Estados Unidos, sendo inclusive exímia piloto, chegando a trabalhar para C.I.A.  (Central Intelligence Agency) ao lado de personagens famosos da editora como o Wolverine. No entanto, foi em um trabalho posterior como chefe de segurança da N.A.S.A. (National Aeronautics and Space Administration), em uma instalação no Cabo Canaveral, que a personagem conheceu o Capitão Marvel e assim figurando o título do herói alienígena.
Entretanto com o fortalecimento da Segunda Onda do Feminismo (iniciada ainda nos anos 60 e mais evidenciada nos anos 70) os editores da Marvel Comics, principalmente Stan Lee, viram uma oportunidade de atrair mais leitoras para as histórias em quadrinhos. A Casa das idéias sempre foi relacionada por ter enredos de vanguarda e por destacar os movimentos sociais à medida que ocorriam nos EUA e no mundo ao seu redor. Logo era esperado que cedo ou tarde a editora buscasse criar uma forte personagem feminina como ícone, aos moldes da Mulher Maravilha heroína da concorrente DC Comics.


Essa postura da Marvel sempre é vista como ideológica e, por vezes de viés doutrinador, mas, na verdade, está muito mais relacionada simplesmente com as vendas da revista, buscando sempre novos leitores em grupos de pessoas que normalmente não lêem quadrinhos, aumentando exponencialmente os lucros da editora. Logo se entendeu que era necessária, pelo contexto da época, a criação de verdadeiro símbolo feminino para ser a nova super heroína da Casa das Idéias.
Assim Mary Skrenes ficou responsável por dar forma a uma nova personagem que seria uma garçonete chamada Loretta Petta que se transformava em super-heroína, ou seja, uma personagem totalmente original. No entanto, a idéia foi recusada pela editora que incumbiu a outro roteirista a uma nova proposta.  Gerry Conway então resgatou a modesta coadjuvante Carol Danvers transformando-a em não mais que versão feminina do Capitão Marvel, chamada de Miss Marvel, que teria ganhado seus poderes pelas ações do vilão Yon-Rogg, um outro alienígena da raça Kree. Na ocasião, Carol tinha sido seqüestrada pelo inimigo ( o que geralmente acontecia com as namoradas SOS heróis) e durante a explosão, causada pelo facínora com seus raios Psico Magnitron, o Capitão Marvel tentaria protegê-la com o próprio corpo, mas a radiação acabou misturando seu DNA Kree com o da Carol concedendo a ela parte de seus poderes.


Surgia então Miss Marvel (primeira encarnação heróica de Carol Danvers) que, pelas mãos de Gerry Conway e John Buscema ganhava um título próprio em 1977. Uma das primeiras super-heroínas dos quadrinhos, mas que falha como representação feminina ao elaboraram uma origem totalmente dependente de um patrono homem, sendo apenas sua versão mulher, e com roteiros no mínimo desastrosos que a personagem sofreria nessa primeira fase.
Uma integrante sem muito destaque dos Vingadores, Miss Marvel teria dupla personalidade no inicio (Carol humana comum e a Miss Marvel super-heroína Kree) que geravam vários problemas. No entanto, talvez o pior arco de histórias da personagem seja quando ela foi abusada sexualmente por um vilão chegando inclusive a engravidar e sendo levada para se casar com seu estuprador. Uma história tão mal construída onde, em Avengers 200, nem mesmo os Vingadores foram colocados para ajudar a amiga abduzida pelo seu algoz, que a levou para o Limbo, uma outra dimensão.
Entendemos assim que apesar da Marvel Comics ter tido a iniciativa de criar uma super-heroína para sua editora, a Casa das Idéias não soube bem como trabalhar com uma personagem feminina e, provavelmente, buscando toscamente eliminar Miss Marvel jogando-a literalmente no limbo. Mas logo o, já aclamado roteirista dos Fabulosos X-men, Chris Claremont resolve, no inicio dos anos 80, resgatar Carol Danvers trazendo justiça a uma heroína tão maltratada, inclusive fazendo-a confrontar os Vingadores mostrando sua hipocrisia ao deixá-la nas mãos de tão vil algoz.


Agora Miss Marvel apareceria nas revistas dos Filhos do Átomo sendo bem melhor trabalhada como apenas o quadrinista de um título que tratava sobre preconceito poderia escrever.  Nessa fase Carol se transformaria na heroína chamada Binária (sua segunda encarnação) pelos desenhos de Dave Cockrun iniciada na Uncanny X-Men 164 de 1982, ampliando seus poderes como nunca e fazendo parte de aventuras cósmicas como integrante do grupo espacial Piratas Siderais.  
A popularidade da personagem foi crescendo aos poucos e no final dos anos 90 a editora percebeu que já era hora da Carol voltar de suas aventuras no espaço e figurar mais uma vez aos Vingadores, agora em sua terceira encarnação heróica chamada de Warbird pelas mãos do aclamado George Pérez e Kurt Busiek na que seria uma das melhores fases dos assim chamados Heróis mais Poderosos da Terra.
Carol Danvers cada vez mais foi ganhando maior destaque com uma editora cada vez mais empenhada em torná-la a super-heroína principal da Marvel Comics e uma adversária digna para a concorrente da DC Comics, Mulher Maravilha. Foi sendo elaboradas histórias mais profundas, e com dilemas humanos e sofrendo conseqüência de seu passado ao melhor estilo Marvel, como quando ela tem que lidar com alguns transtornos devido a confusão mental que sua encarnação de Binária acarretou, chegando ate mesmo ao alcoolismo. Ela venceu com ajuda de amigos como Tony Stark (Homem de Ferro) que também tinha sofrido com o mesmo problema de excesso com bebidas alcoólicas.
A idéia de fazer dela, apesar de humana, uma melhor representação feminina que foi tomando forma, mesmo que vagarosamente. Foi ficando cada vez mais claro que a personagem deveria crescer ainda mais para ser um destaque não apenas nos quadrinhos, mas também em outros projetos da Marvel.


Foi então que em 2012, Carol passaria por mais uma e derradeira mudança. Por conselhos de ninguém menos do que o Capitão América, a personagem passaria a assumir o manto do herói que a inspirou adotando o nome de Capitã Marvel (sua última encarnação. Trazida pela quadrinista Kelly Sue Deconnick com titulo próprio, já que não há mais um Capitão Marvel na editora (vale salientar que o título em inglês, Captain Marvel,não tem gênero).  
Agora a Carol Danvers estaria na frente de importantes sagas da Casa das Idéias sendo uma das personagens principais da Marvel Comics visando uma representação feminina mais respeitosa e condizente com o contexto atual, mas ainda falhando com algumas decisões editoriais, como sendo colocada praticamente como vilã em na saga Guerra Civil II, por exemplo.


Entretanto, não se pode negar a importância do papel da Capitã Marvel para a representatividade feminina mesmo com tantas histórias controversas em seus altos e baixos. A personagem é praticamente indispensável para uma análise de como a mulher tem sido representada nas histórias em quadrinhos de super-heróis nas ultimas décadas e nos mostra como os leitores ainda reagem a uma protagonista feminina que, principalmente, não se encaixa mais no padrão de mulher hiper sexualizada tão comum nas histórias em quadrinhos.
A Capitã Marvel hoje raramente é representada em posições constrangedoras e usa um uniforme mais pratico (e mais condizente com seu histórico militar) que não, necessariamente, evidencia suas curvas. Ela é uma personagem que prova seu valor por ser heróica e não por ser um desejo sexual. Até mesmo sua origens sofreu mudanças para retirar o total Complexo da Costela de Adão gerado pela heroína ter recebido os poderes acidentalmente de uma figura masculina.  
Carol vence e alcança lugares onde tradicionalmente apenas os homem conseguiam chegar e o faz mostrando muita força e personalidade sendo reconhecida pelos seus colegas como uma igual e não sendo inferiorizada momento algum por ser mulher e nisso, devemos reconhecer, a Marvel Comics tem acertado muito.
Entretanto, por um lado temos uma personagem extremamente importante que levanta temas muito relevantes da nossa sociedade, em quase uma auto critica, mas por outro lado temos historias quase sempre ruins de roteiro em sua trajetória que acabaram acarretando em ainda mais preconceito com a imagem das mulheres no meio quadrinístico, seja por pura implicância machista de alguns leitores ou seja simplesmente por arcos mal escritos que gerava um protagonismo forçado da super heroína em uma elaboração raza demais para ser crível.  
Talvez a maior importância das histórias em quadrinhos da Capitã Marvel é perceber claramente que boas histórias não são feitas apenas por colocar superficialmente determinados personagens levantando uma bandeira sem qualquer profundidade ou conhecimento de causa, mas sim de boas histórias que podem sim ter suas criticas sociais. No entanto, essas questões devem ser construídas com seriedade e principalmente com bons quadrinistas que realmente se dediquem a contar, além de ótimas histórias, enredos que ainda traga importantes reflexões sobre nossa sociedade.
É assim que se constrói uma boa narrativa gráfica.
Temos ainda, infelizmente, uma legião de fãs que parecem não terem entendido que o público algo da personagem não são necessariamente eles, mas sim leitores de quadrinhos diferentes do usual e não há problema nenhum com isso, pois estes sempre tiveram uma profusão de personagens para se sentirem representados. Carol Danvers (agora Capitã Marvel) foi desde o inicio criada para conversar e se identificar mais com o público feminino que ainda não tinham muitas opções de representatividade. Tudo isso traz uma maior diversidade de leitores e mostrando perspectivas cada vez mais diferentes evoluindo todo o contexto narrativo da Nona Arte.



A Capitã Marvel, em todas as suas encarnações, quase nunca retratada da maneira correta, mas teve um esforço quase louvável de atrair garotas para as histórias em quadrinhos onde elas possam se sentir finalmente representadas em um meio repleto de preconceitos e machismos, que não é nada mais de um micro reflexo de nossa própria sociedade. Talvez essa seja a verdadeira importância da personagem na atualidade, pois ao mesmo tempo que nos faz refletir como pessoas, também busca uma melhor representatividade feminina no real cenário de cultura nerd e pop. 

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