A fabulosa saga dos “Filhos do Átomo” iniciada em setembro de 1979 e teve sua polêmica conclusão um ano depois na The Uncanny X-Men 137. Escrita por Chris Claremont, que estava se consolidado como autor definitivo dos “heróis mais estranhos de todos” com ajuda no roteiro de John Byrne que já tinha se destacado também como desenhista da revista dos mutantes.
Era
literalmente a porta de entrada para os anos 80 e toda uma revolução que ambos
iriam fazer nas Histórias em Quadrinhos fundamentando o alicerce para que a
equipe de Charles Xavier se tornasse
literalmente o “carro chefe” da Marvel
Comics e que resultou em toda a popularidade dos X-Men anos 90.
Não
é segredo para ninguém que A Saga da
Fênix Negra é um dos arcos mais bem quistos tanto entre os fãs dos mutantes
bem como de toda Marvel. Nesse exato
um ano de mensais dos X-Men figuram sempre em posição privilegiada entre
qualquer lista das melhores revistas tanto da editora Marvel quando de Histórias em Quadrinhos no geral e não é para
menos.
Uma
das obras principais dos “Filhos do Átomo” que levou não somente os X-Men a
enfrentar uma das piores ameaças do Universo
Marvel, pois a entidade cósmica destruidora de galáxias conhecida como a Fênix não era “apenas” uma ameaça inexorável,
mas também tinha possuído e mantinha como receptáculo a então mais querida de
todos os membros da equipe... Jean Grey,
a Garota Marvel.
Para
os X-Men enfrentar a Fênix Negra era
ao mesmo tempo enfrentar sua melhor amiga e esse dilema permeou toda a Saga gerando um paradoxo terrível entre
combater um de seus membros ou deixar que toda a existência fosse ameaçada. Uma
dicotomia moral ainda pior para o líder de campo da equipe mutante chamado Ciclope, pois este estava entre o amor
de sua vida e todo sonho e ética heróica em que ele mesmo foi construído.
Tudo
fica ainda mais complicado na fatídica The
Uncanny X-Men 135 em que a Fênix
Negra para se “alimentar” acaba por devorar uma estrela que era como o Sol
para todo um planeta alienígena habitado que acaba por conseqüência também
sendo destruído no processo, ou seja, a Garota
Marvel tinha cometido um genocídio horrendo com o poder quase absoluto que tinha
naquele momento.
Tão
conhecida é essa história em quadrinhos como também é o seu controverso final. Estampada
em todas as reimpressões encadernadas e de luxo pelo mundo. Hoje um chamariz
para novos leitores... Jean Grey, a Fênix Negra morre.
Morre
condenada pelo crime inaceitável de exterminar toda uma civilização planetária
apenas para restaurar suas energias. Acusada e julgada pelo Império Intergalático Xiar e defendida
pelos X-Men, mas mesmo assim sentenciada e executada a Pena de Morte.
Durante
uma entrevista os autores relatam que tinham outros planos para a Garota Marvel. Falam que como ela estava
praticamente possuída por uma entidade desconhecida vinda de algum ponto da imensidão
do espaço, a jovem mutante não tinha consciência dessas ações e não era
totalmente responsável.
Entretanto
Jim Shooter, então editor da Marvel
Comics não compartilhava da mesma visão e acreditava que a Fênix Negra e conseqüentemente sua
hospedeira,Jean Grey, deveria morrer
para “pagar pelos seus atos” de crueldade desumana.
A
qualidade ou não desse final foi muito debatido durante anos fazendo legiões de
fãs pedirem a volta da Garota Marvel
e forçando a editora a trazê-la de volta de uma forma pouco crível e bem questionável.
No entanto, é justamente a questão da punição que a personagem mutante recebe
que nos leva a reflexões mais profundas sobre nosso entendimento de justiça.
Chris
Claremont revela em entrevistas posteriores que faria Jean Grey lembrar para sempre dos crimes que tinha cometido
possuída pela entidade cósmica e esses fantasmas a perseguiriam de forma
avassaladora para o resto da vida. Uma punição que muitos veriam como bem mais
apropriada.
Então
porque a Pena de Morte?
Qual
é o momento em que a Cultura Ocidental entendeu a morte como justiça e, o mais
importante, depois de tantos debates sobre a reintegração de ex-criminosos na
sociedade ainda temos o autoproclamado, maior representante da democracia não
só praticando a Pena de Morte como tendo sua defesa na maioria da população
hoje.
Nos
Estados Unidos 34 dos seus 50 estados ainda possuem a pena capital e em alguns
casos é executado com alarde e tendo as famílias lesadas pelos condenados
assistindo quase como um estranho espetáculo. No entanto, podemos observar que
essa prática está na Cultura Estadunidense por influências bem mais antigas.
A
Pena de Morte está presente desde a Antiguidade tendo como representantes a Grécia
e Roma Antiga, ou seja, algumas das culturas geminais do ocidente. Antes disso
o famoso Código de Hamurabi, talvez o primeiro conjunto de leis escritas, já
prevê a pena capital para quase 30 crimes diferentes na região da Mesopotâmia desde
aproximadamente o século XVIII a.C.
Essa
pratica sobreviveu durante toda a Idade Média, seja como justiça dos lordes
feudais como suas contrapartes religiosas dentro do Tribunal do Santo Ofício ou
simplesmente Inquisição. Bem como foi muito lembrada pelos reis absolutistas na
Idade Moderna e continuou “expandindo” no Período do Terror ou na França pós
revolução e inicio da Idade Contemporânea, apesar de pensadores iluministas
como o italiano Cesare Beccaria defender a pena capital como lei tirânica.
Logo
A Saga da Fênix Negra pode ser vista
como uma representação cultural do senso de justiça estadunidense que entende como
legitimo a Pena de Morte para determinados delitos. Crimes vistos como
hediondos pela sua sociedade que além de não ser passível de recuperação do
detento, deve ser apreciado pelas vitimas sendo quase como uma vingança dos
honestos e justos. Uma visão em que o Estado e Justiça devem punir o criminoso
e não reintegrá-lo a sociedade.
Claro
que naquela época como hoje os Estados Unidos ainda discutem sobre a viabilidade
da Pena de Morte e cada vez mais seus estados tem abandonado a pena capital
como método meramente eficaz, pois a Pena é aplicada justamente nos estados
mais violentos gerando outro paradigma ideológico. Será que esses estados são
mais violentos justamente por ter a Pena de Morte ou por serem violentos é que
se faz necessária tal pena capital?
A
chamada Cultura de Pena de Morte, ou seja, visão de justiça como punição ou
vingança das vítimas, está presente e se perpetuou por muito tempo no Ocidente
(e digo Ocidente apenas como um corte geográfico que gerou a revista em questão,
pois a pena de morte também é aplicada deliberadamente por uma profusão de
instituições de justiça orientais) quase ignorando todas as discussões
levantadas pelos Direitos Humanos e até antes mesmo, sobre a redenção e a
crença da reintegração social.
Assim
o arco A Saga Da Fênix Negra é um
fruto de manifestação cultural gerado em um contexto estadunidense de justiça e
que pode nos fazer refletir, mesmo que não intencionalmente ou indiretamente, sobre
os dilemas e teorias sobre entender ou não a pena capital como modo legitimo de
justiça.
Podemos
observar então, a importância da indústria cultural para a formação do cidadão incluindo
no tocante das Histórias em Quadrinhos, uma vez tão subestimada até mesmo como
forma de arte e hoje parece ser revisitada como genuína manifestação artístico-cultutal
seja dentro do seu período histórico ou como meio de educação a apreciação.
Reflexões muito importantes, atestando que as histórias em quadrinhos podem ser, se adequadamente analisadas, fontes de problematizações sobre a nossa sociedade. Defendo que Jean Grey poderia ter continuado viva com as lembranças do que fez. E vejo a pena de morte incompatível com a justiça, porque essa não pode ser confundida com vingança. Condenar alguém a morte é um atestado de fracasso civilizatório: era detestável mesmo na Pré-história e é acentuadamente mais grave na atualidade, em pleno século 21.
ResponderExcluirObrigado Marco! Ótimos comentários seus sobre a Pena de Morte! Valeu pela contribuição!
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