quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Menina que Chorava


“Estória: No sentido de conto popular, narrativa tradicional das manifestações da literatura oral em prosa. Havia a necessidade de ser empregado estória para as narrativas, os contos tradicionais, ficando História para o sentido oficial do vocábulo.”
Dicionário do Folclore Brasileiro
Luís da Câmara Cascudo



Estava tudo no mais perturbador silêncio naquela antiga escola em uma madrugada chuvosa e com trovoadas espaçadas. Mesmo assim, durante dias como aqueles o colégio deveria estar lotado de alunos do supletivo em seus corredores, mas não era o que estava acontecendo ali desta vez. Nas noites anteriores havia ocorrido um crime com um dos alunos da oitava série que naturalmente cursava de manhã.
Era Ricardo de Andrade Silveira que tinha passado a tarde inteira jogando basquete na quadra da escola e foi o último aluno a sair do vestiário naquele fatídico vinte e nove de março de ano de 1992.
Ninguém sabe ao certo o porquê do garoto ter ficado mais tempo na escola e o que o levou a subir as escadas para ir ao banheiro do andar superior. Entretanto isso não era o mais estranho no caso. Curioso e inexplicável é como alguém entrou no banheiro, matou Ricardo retalhando seu corpo e ninguém sequer ouviu o menino berrar por socorro. Apenas foi encontrado por outro aluno, do supletivo, que veio a ir ao banheiro por simples necessidades fisiológicas. Assim não é difícil entender porque aquele caso tem tido uma repercussão tão sensacionalista pela mídia e comovido tanto a misericordiosa sociedade daquela cidade.
Logo, a escola estava interditada nos dias que seguiam o crime e as aulas pararam completamente. Era para a escola estar completamente vazia, mas esse não era o caso daquele dia frio de março. A curiosidade, para o bem ou para o mal, sempre moveu os homens e provavelmente foi isso que levou dois garotos estarem da escola naquela noite chuvosa...
- Juninho? – disse um dos meninos – Acho melhor voltarmos!
- A cara... Não vai amarelar agora né? Parece boiola, meu!
- Sei lá, essa escola ficou meio sinistra depois que o Ricardo morreu!
- Para com isso! Estamos aqui por conta disso, doido!
- Não cara é sério! Vamos sair daqui!
- Já deu Carlos! Se quiser voltar é por sua conta!
- Não volta comigo?
- Nem que a vaca tussa!
- Tá bom! Vamos lá então!
Os dois garotos, que eram amigos de Ricardo, ficaram curiosos com o que aconteceu. Ao contrário do esperado que era ficaram com medo ou pelo menos comovidos com a morte do amigo, eles ficaram curiosos para ver onde seu colega morreu. Onde foi o crime mais hediondo que jamais ocorreu naquele colégio.
- O jornal disse que até parece que foi um bicho cara!
- Se a polícia pegar a gente...
- Ah, pega leve! Tá muito bolado cara.
Ambos começaram a subir a escadaria que dava acesso ao andar superior do colégio. Era onde ficavam as sétimas e oitavas séries. Apenas naquele momento os dois perceberam o quão barulhento era pisar naqueles velhos degraus de madeira envernizada. Carlos tropeçou quando ainda estava subindo e fez um estardalhaço enorme quando se estatelou no chão. Felizmente a queda não foi grande e o menino logo se levantou envergonhado.
- Ai cara, só você mesmo! – disse Júnior – Vai acordar...
O menino não teve tempo de falar, pois o barulho de passos irrompeu pelo andar superior da escola e isso assustou muito os dois. Eram sons tão fortes e claros que não davam para passar despercebidos. Aquilo gelou a espinha dos dois, mas aquela balburdia logo parou e o silêncio aterrador voltou.
- Vamos embora daqui cara!
Desta vez Júnior simplesmente ignorou o amigo e subiu correndo o mais rápido que podia sendo finalmente seguido por Carlos. O garoto queria descobrir quem estaria no andar superior e os dois chegaram rapidamente ao banheiro em que o crime tinha ocorrido. Novamente não ouviam nada e continuaram a andar furtivamente, mas notaram uma coisa realmente estranha. A luz do sanitário estava acessa! Alguém realmente tinha estado ali e aquilo não estava correto. Novamente sobre os protestos de Carlos, o menino continuou.
Entraram no local onde Ricardo havia sido assassinado e perceberam facilmente que alguém já tinha limpado todo o lugar.
- Tá vendo? – disse o medroso menino – A polícia já investigou tudo! Vamos embora!
- Meu, dá pra calar essa boca? – esbravejou Júnior – Ouviu isso?
- O que?
- Isso!
Ambos ficaram quietos e assim se pode ouvir um estranho som que não passava de um murmúrio. Parecia um lamento ubíquo que parecia estar vindo do além. Um choro tão baixo que os dois se perguntaram como tinham conseguido ouvir.
- Sabia que tinha alguém mais aqui! – disse Júnior – Acho que está em um dos sanitários! Venha!
- Cara, isso vem de todo o lugar!
- Não encana Carlos...
- Tá bom, mas pega leve. Acho que é uma menina!
- Podia ser a Karine heim?
- É ruim heim? Nem ferrando que aquele filé estaria aqui, mas se tivesse nós teríamos uma surpresa para ela né?
- Isso seria massa!
Os dois meninos foram entrando no banheiro em direção as divisórias que separavam cada privada. Júnior se abaixou para ver por baixo e não viu nenhum dos pés de nenhuma criança, quanto mais uma garotinha. Como o choro ficava mais alto e focado à medida que eles se aproximavam e o jovem foi se guiando pelo som. Ao julgar estar na porta certa ele a abriu tão repentinamente que assustou seu amigo.
Havia, sentada em cima da privada, uma menina que chorava.
Estava trajada com um vestidinho branco com detalhes azuis de algum tecido que parecia ser algodão. Estava todo rasgado e a garotinha estava com meias sujas e com um dos sapatinhos pretos desamarrados. Estava igualmente imunda e com os longos cabelos loiros todos emaranhados. Ela se sentava com as pernas dobradas e tampando o próprio rosto onde tremia e chorava parecendo ignorar que os dois estavam bem na frente dela.
Os meninos acharam aquilo estranho e não entendiam porque a menina estava lá, mas resolveram falar com ela embora não parecesse ninguém que conheciam e estava vestida com uma roupa totalmente estranha, mas parecida com um uniforme de alguma escola das redondezas.
- Garotinha?
Ela não respondeu.
- Menina, por que você está chorando?
- Por quê? – perguntou à loirinha como em não mais de um sussurro, mas olhando fixamente para Júnior com seus olhos profundos e azuis – Por que vocês foram meninos muito maus!
Os gritos que se seguiram foram tão altos e aterrorizadores que provavelmente seriam ouvidos na rua se a chuva não estivesse tão forte. Relâmpagos e trovoadas rompiam os céus enquanto o banheiro, o mesmo local que tivera sido palco da morte do pobre Ricardo, era tingindo de vermelho novamente. Um espetáculo bárbaro e insano que voltou para a escuridão do silêncio da noite...

Continua...

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