terça-feira, 6 de abril de 2021

A Liga


Aquilo era exatamente a materialização dos seus maiores e mais íntimos medos.  Finalmente tinha acontecido e ele não podia fazer nada para deter seu destino. Claro que a dor era quase insuportável, mas apesar de toda aquela aflição pungente sua consciência refletia amargamente sobre sua desgraça. Não havia nada o que fazer. A assimilação era derradeira como a morte, mas se seus estudos estivessem certos... aquilo era bem pior que a morte.  

E por todos os deuses e entidades cósmicas... como a dor era inexorável.  

Aquela liga metálica gélida entrava por seus poros com uma maleabilidade impossível enquanto corroía seus órgãos internos dilacerando sua alma em pecados. Avançava pela sua pele queimando a sua carne e consumindo desordenadamente cada cédula se multiplicando em nano máquinas agressivamente incontroláveis como um câncer, mas que substituía cada célula saudável em outra biotecnológica... talvez sintética.   

Apesar de todo sofrimento, sua mente se mantinha nitidamente sã ao que acontecia...  uma clareza estranha que só poderia provir da própria máquina que o dominava. Já tinha encontrado outros assim... assimilados... e todo seu estudo não conseguiu determinar se eles eram mecânicos ou vivos. Aquilo o que mais o assustava. Estava se transformando em um robô? Em um sintosóide? Era algo que não conseguia classificar e nem nomear... algo nunca visto... 

O último estágio da assimilação era o cérebro. Claro. Bem como uma máquina pensaria. Aquilo dominaria sua mente quando esta percebesse que não havia nada mais de humanidade nele. Quando percebesse que era seu esforço impotente de permanecer vivo... mas... ele, apesar de toda aquela desolação não se sentia morrendo... não se sentia o mesmo... se sentia outra coisa.  

Então que sua consciência é bombardeada de pensamentos. Pensamentos da máquina.  

A assimilação derradeira.  

Aquilo não era a morte, muito pelo contrário, era uma transcendência. Um estado de consciência que era a busca de todas as religiões humanas. O de finalmente tornar-se algo maior. Algo melhor. Finalmente o próximo estágio da evolução não apenas humana, mas da vida. 

 Não apenas da Terra, mas do Universo. 

Ele sabia agora que todas as suas memórias não desapareceriam como palavras escritas na areia. Suas experiências não sumiriam ao relento da morte. Não seriam mais esquecidas pelas eras vindouras da nascente do tempo. Elas permaneceriam na Liga. Todos os assimilados permaneceriam na Liga.  

Agora ele se conectava a todas as memórias daqueles que já existiram antes e agora permaneciam ligados à aquela corrente única de conhecimento universal. Eram todos imortais em uma colmeia de alvéolos inseparáveis por uma aliança cognitiva eterna que não orbitava sobre uma consciência central, mas todos faziam parte de uma consciência central.   

Eram todos o centro e as extremidades.  

Ele agora era a Liga como os que vieram antes dele e os que ainda virão. Todos eram a Liga e nós éramos a Liga. Não havia mais o indivíduo ou o coletivo... era maior que aquilo... todos eram tudo e tudo era... 

A Liga.  

2 comentários:

  1. Cara, que conceito sensacional! A escrita reflete a descoberta misturada ao temor do momento, além de tecer alegorias filosóficas e religiosas muito interessantes.
    Parabéns pelo conto. Certamente merece uma história maior a partir dele, caso anime, hehe!
    Abraços.

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    1. Muito Obrigado Fabrício!

      Penso em talvez escrever outros contos curtos neste mesmo universo para ir compondo um pano de fundo para, quem sabe, uma história maior!

      Muito agradecido

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