sexta-feira, 16 de abril de 2021

A Trindade


Minissérie em três edições da DC Comics lançada em novembro de 2003 que conta a estória da primeira vez que a chamada Trindade da editora se reúnem para resolver combater uma ameaça de escala global. Superman, Batman e Mulher Maravilha têm que deixar suas diferenças de lado para enfrentar o eco terrorista Ra’s Al Ghul em sua demanda contra a civilização para, segundo ele, restaurar o estilo de vida natural da Terra que sangra cada vez mais devido a atual sociedade egoísta e altamente predatória dos recursos do planeta. Seria essa a origem da lendária Trindade, a união dos três maiores heróis deste Universo, para deter um ataque sem precedentes à humanidade.  



Desenhada e roteirizada por Matt Wagner, um quadrinista estadunidense de mais de trinta anos de carreira, já trabalhou com a mesma editora como desenhista em vários títulos importantes do Batman, bem como também fez ilustrações em Sandman, Teatro do Mistério e Arqueiro Verde.  Premiado ao Eisner de “Melhor Série Limitada” por Grendel Warchild em 1993; “Melhor Antologia” por Grendel: Black, White, and Red e "Melhor História Curta" por Devil's Advocate, ambos, em 1999. Criador dos aclamados personagens Grendel, em 1982 e Mage em 1984 mostrando que tem muito talento tanto com trabalhos autorais quando de grandes editoras. Com grande reconhecimento, uniu-se recentemente ao cineasta Quentin Tarantino para produzir uma série de quadrinhos reunindo os personagens Zorro e Django.  

Ilustrada por Dave Stewart um renomado desenhista de história em quadrinhos que já recebeu oito vezes o Eisner por diversos trabalhos. Produziu materiais como os da Mulher Gato, Detective Comics, Superman, Daytripper e a minissérie Lex Luthor: O Homem de Aço para a DC Comics; bem como Capitão América, Demolidor, Quarteto Fantástico, e X-Men pela Marvel Comics. Reconhecido pela sua passagem pela editora Dark Horse nos títulos do Conan, Umbrella Academy e Star Wars, mas principalmente com Mike Mignola na aclamada revista Hellboy. Recentemente estava desenhando as edições finais dos quadrinhos de The Walking Dead pela Image Comics. Suas ilustrações e cores ultrapassaram a barreira da sétima arte sendo chamado para série televisiva Heroes onde é o colorista das artes do personagem Isaac Mendez junto ao, também renomado artista, Tim Sale 



Temos um ótimo início de minissérie (a primeira das três edições que se passa em Metrópolis) em que a Trindade é apresentada um a um com bastante calma e contexto. Superman aparece como um representante da força e da bondade; Batman representaria a furtividade e vigilantismo enquanto a Mulher Maravilha representaria a verdade e diplomacia. Todos muito bem equilibrados representando, cada um ao seu modo, a justiça.  

Entretanto, na continuidade da estória a partir de Gotham temos as diferenças entre Mulher Maravilha e Batman ficando cada vez mais evidentes com um Superman tentando fazer a ponte entre os dois. Embora a Diana se encaixaria mais como uma personagem empática do que Clark Kent, devido à própria concepção dessa personagem, é compreensível que seja Superman o mediador visto que o enredo já o coloque como amigo de Bruce Wayne e assim, alguém que o entende melhor. Mas os subterfúgios para tais diferenças são narrados bem forçadamente, quase transformando a diplomata Mulher Maravilha em uma pessoa extremamente incapaz de compreender os motivos do Cavaleiro das Trevas agir da forma que age e sem ao menos cogitar o benefício da dúvida ao herói.  

Ora, é claro que um personagem poderia estranhar o vigilante de Gotham logo no primeiro contato, mas uma super heroína compreensiva que é chamada e, justificada por essa própria estória, de diplomata e alguém que prefere resolver os conflitos primeiramente refletindo antes de puxar a espada, ficou bem estranho para a trama uma atitude tão dura e reta para a princesa Diana. Muitos autores já haviam trabalhado os aspectos de guerreira amazona na Mulher Maravilha sobressaindo suas outras qualidades transformando-a em uma combatente implacável, mas, novamente, não me pareceu condizer com o que a minissérie tentou demonstrar no início e com várias outras passagens da heroína no próprio enredo.  



Ao que parece a Mulher Maravilha realmente é a liga fraca na estória, pois também no arco de Gotham, temos aquele momento narrativo em que os heróis acabam perdendo algumas batalhas para os vilões para depois se reagruparem e vencer no final. No entanto, parece que a única representante dessa perda é a amazona que é salva várias vezes pelo Batman e pelo Superman que quase ficam intactos no mesmo arco. Acredito que os autores desejaram mostrar um Superman imbatível e um Batman salvando a Diana mostrando o quanto ela estava errada em seus julgamentos para com ele, mas novamente os recursos narrativos utilizados para tal são bem equivocados e rasos deixando a Diana apenas mais frágil do que deveria e quase sem nenhuma inteligência estratégica.  

Pensando que a minissérie vem em sequência das reestruturações feitas após a saga Crise das Infinitas Terras, isso se torna mais evidente. Tivemos ótimas reformulações desses personagens nas mãos de John Byrne com Superman; Frank Miller com Batman e principalmente da Mulher Maravilha realizada por Greg Potter e George Peréz que acertaram tão bem na nova concepção da personagem tornando-a muito mais interessante do que havia sido mostrada até então. 



Entretanto, devo pontuar que essas são as únicas críticas negativas que faço da minissérie Trindade. A evolução do roteiro, a forma que a trama vai sendo desenvolvida, com seus pontos se conectando e se encaixando, acontecem de forma natural e em um ótimo ritmo que consegue dosar bem as cenas de ação com a estória a ser contada. Não havia muita necessidade, ou contexto, para o vilão Ra’s Al Ghul ter se associado justamente ao Bizarro e a uma amazona renegada (justamente inimigos do Superman e Mulher Maravilha) sem saber que ambos já estava a sua procura, mas ao mesmo tempo mostra que o, assim chamado, “Cabeça de Demônio” é um excelente estrategista comparável apenas ao Batman que, talvez, o supere.  

Ra’s é o ponto forte desta estória, pois é cansativa a quantidade de quadrinhos em que esse algoz do Cavaleiro das Trevas apareça sendo mencionado como um vilão extremamente inteligente, mas seus autores geralmente não conseguem lidar com tais características intelectuais. Aqui isso não ocorre, pois ele é mostrado como um estrategista nato, capaz de alianças improváveis para alcançar seus objetivos e tem ótimos planos de contingência para quando seus feitos começam a dar errado, devido a interferência dos heróis. O roteirista Matt Wagner consegue deixar bem claro que Ra’s Al Ghul não pode ser subestimado de forma alguma e que os poderes de Superman ou da Mulher Maravilha em nada superam a sagacidade do vilão que possui total capacidade de derrota-los em qualquer momento. Existem riscos sérios dele colocar seus planos em prática subjugando todo mundo aos seus propósitos autoritários e terroristas.  

É fato que nunca me agradou a visão de que Ra’s Al Ghul seja um terrorista não apenas por sua origem, o que pode causar certo preconceito, mas principalmente por ser chamado de eco terrorista. Apenar, claro, de que existiram no mundo real eco terroristas e, com certeza, suas ações são muito problemáticas, mas me causa certo desconforto o vilão ser sempre chamado assim e o quanto isso pode influenciar os leitores a terem relutância com os movimentos ecológicos de modo geral. Algumas aparições deste vilão são colocadas deixando bem claro que ele é um extremista, mas embora isso não ocorra aqui de forma tão explicita, Ra’s é claramente tratado como um hipócrita que não tem o mesmo fervor a sua causa como seus comandados o que acaba demonstrando que ele os usa e os descarta ao seu bel prazer e necessidades, talvez, mesquinhas.  




Ártemis de Bana-Mighdall, a amazona renegada, é retratada muitas vezes sem propósito e confusa o que deixa a personagem muito estranha na trama, mas talvez seja justamente a ideia dos autores em mostrar alguém que não se encaixa perfeitamente no contexto que está incluída. Juntando a ótima estória de origem que é apenas levemente relatada na minissérie, fica a impressão de que havia muito mais a desenvolver sobre a super vilã, mas que provavelmente deve ser algum recurso narrativo para ser revelado posteriormente à essa história em quadrinhos em questão. O que é uma pena, pois a personagem parecia ser muito interessante e poderia ter um ótimo desenvolvimento na minissérie.  

O encerramento desta estória foi incrivelmente competente fechando muito bem as pontas soltas e não deixando que nada apresentado escape completamente do seu devido lugar. Ra’s Al Ghul continua inteligente até o fim. É muito desagradável, além de subestimarem muito o leitor, quando um vilão inteligente, de repente, fica burro para que os heróis o derrotem no final e, com certeza, isso não ocorre aqui. Laços entre a Trindade são bem marcados no fim deixando um sentimento de que tal associação pode render bons frutos no futuro e todas as questões principais que a estória se propôs a levantar são solucionadas a contento e com um desejo de que mais tramas assim sejam escritas tendo Superman, Batman e Mulher Maravilha juntos como seus protagonistas.  




Nenhum comentário:

Postar um comentário