domingo, 24 de janeiro de 2021

O Homem de Aço de John Byrne


Durante os anos 80 estava mais que evidente a bagunça com a continuidade que as histórias em quadrinhos da DC Comics apresentavam com várias realidades alternativas e super heróis que mudavam constantemente de poderes e até personalidade. Houve então um esforço editorial para traçar uma linha coerente de raciocínio para toda essa profusão de estórias e organiza-las em uma iniciativa a fim de, a partir daí, criar uma narrativa mais coesa... essa mega saga foi chamada de Crise nas Infinitas Terras 

Assim, seria necessário recontar e atualizar a origem dos super heróis da editora e a Trindade da DC foi a primeira a ser planejada. Batman ficaria a cargo de Frank Miller, a Mulher Maravilha ficaria com George Perez, mas quem comandaria a reformulação do personagem mais icônico das histórias em quadrinhos?  

Isso seria trabalho para o aclamado quadrinista John Byrne!  



O canadense John Byrne já era muito conhecido na época, principalmente pelos brilhantes trabalhos na Marvel Comics com os X-Men, com a Tropa Alfa e o Quarteto Fantástico. Na DC tinha feito uma mini serie do Batman com Len Wein e Jin Amparo, mas foi justamente em Homem de Aço a sua grande oportunidade nessa editora. Confesso que sou muito fã de Byrne, principalmente pelos títulos mutantes, não apenas pelas suas ideias, mas também pelos seus traços marcantes que muito inspiraram meu próprio estilo de desenhar.  Claro que sua arte ficaria imortalizada no Superman e que até hoje é um dos artistas, juntamente com George Peres, que serão as influencias mais visíveis nas HQs posteriores, e no visual até de outras mídias, do personagem.  



Assim temos em Homem de Aço uma minissérie em seis edições escrita e desenhada por Byrne que tinha como objetivo revisitar a origem do Superman passando pelos principais elementos da sua mitologia ao mesmo tempo que determinaria quais seriam as bases do personagem dali para frente. Cada edição é dedicada à um aspecto do herói e sua correlação com os personagens principais de seu universo: O repórter em Clark Kent, o amor em Lois Lane, o oposto em Batman, o antagonista em Lex Luthor, a humanidade em Bizarro e o passado em Lana Lang.  



Tudo bem dividido em uma narrativa brilhante que vai do saudosismo as novas diretrizes de um Superman muito mais humano (na medida do que é possível) com poderes limitados, fixos e bem melhor estruturados. No entanto, não é sobre poderes que a mini série se foca e sim na construção da mitologia do Homem de Aço pelos seus aspectos mais mortais, cotidianos e, até mundanos.  

Essa visão mais humana fez o autor visitar muito brevemente (mas não superficialmente) a origem alienígena do personagem a deixando mais enigmática dando um ar mais lendário, de fato uma espécie de Legado das Estrelas, compondo as poucas referencias de ficção científica da obra. Focando em um Superman mais como um imigrante, ou melhor dizendo refugiado, até chegando a tangenciar algumas questões relevante ao tema, mas mais na narrativa de que o verdadeiro cidadão americano (estadunidense) não determinado pelo nascimento, mas sim pela sua criação. 



Aqui temos o que mais me incomoda no Superman, e acredito o que faz vários leitores terem reservas ao personagem. Além de levar “panfletariamente” o American Way of Life a narrativa do personagem o coloca como alguém demasiadamente perfeito.  Isso é percebido por Byrne que entende que o personagem não é apenas superpoderoso devido à suas habilidades extra terrestres, mas também a sua concepção como herói perfeito em uma vida perfeita. Assim, consciente disso o autor faz algumas leves críticas (provavelmente indo até onde os editores permitiam) limitando não apenas os poderes do Superman, mas também dando mais profundidade narrativa mostrando uma origem não tão perfeita assim com alguns enganos e momentos levemente sombrios ao personagem trabalhando principalmente sua confusão diante de como realmente ser o super herói que ele pode e deveria ser.  



É justamente isso que acontece quando é dando um personagem à um ótimo escritor e argumentista de quadrinhos. Essa é uma das provas que não existe personagem ruim, mas estórias mal idealizadas e escritas. Talvez Superman seja o maior exemplo e com certeza a mini série O Homem de Aço o é.  Temos todos os elementos do “bom mocismo” característico do personagem, mas tão bem dosado que não fica pedante, como a maioria dos autores o executam, nem criticado cinicamente a ponto de não vermos mais o Superman como o herói que representa. 

          O equilíbrio certo em exaltar uma época mais inocente ao mesmo tempo crível. 

Entretanto, alguns elementos podem ainda incomodar alguns como várias referências bucólicas conservadoras que competem à um personagem criado no ambiente de fazendo no interior dos Estados Unidos bem como uma nostalgia meio reacionária presente na narrativa. Mas mesmo assim não chega a níveis radicais como visto em outras obras (até em outras mídias) do personagem. Aqui não teremos nada parecido com colocar a bandeira confederada na fazenda dos Kent, mas teremos uma exaltação de terra das oportunidades com um “homem que tem tudo” ainda querendo dividir a vida como herói (pois esse seria seu dever) e um mero trabalhador como um repórter que ainda acredita na meritocracia representada por ele e, principalmente, Lois em um ambiente que exalta a competitividade e a recompensa pelo trabalho duro.  



Até mesmo a crítica representada na figura de Lex Luthor (um homem rico, porém obviamente maligno) que tanto deu problema ao passado das revistas do Superman (a narrativa de um herói poderoso, mas pobre que enfrenta alguém que tem como poder a riqueza foi acusada várias vezes de apologia ao socialismo) é diluída aqui como as oportunidades do estilo de vida americano estão democraticamente à mãos de todos, mas também condicionadas ao caráter de cada um. 



Assim em O Homem de Aço temos tudo que o Superman é, com todas as qualidades e defeitos que isso representa. Byrne desenvolve brilhantemente uma narrativa consciente dessa inocência deliberada que homenageia o passado do personagem (e principalmente produções que o tornaram ainda mais famoso como os filmes atuados por Christopher Reeve) ao mesmo tempo que dá profundidade a sua mitologia com críticas suaves, mas pertinentes. Um Superman que, em boas mãos, teve sempre seu caráter ilibado como o maior e, certamente, mais importante de seus poderes trazendo, novamente, o heroísmo como foco principal da narrativa do personagem.  


 

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