sábado, 24 de abril de 2010

Instinto


“I feel I change
back to a better day
hair stands on the back of my neck
in wildness is the preservation of the world
so seek the wolf in thyself”
Of wolf and man – Black Album – Metallica

Aos poucos meus sentidos voltam ao normal e agora sinto que minha respiração está cada vez mais calma. Lembro do pesadelo em que me meti e não faço a mínima idéia de como as coisas chegaram a esse ponto. Não é como nos filmes, eu não fui mordido. Não são como as malditas estórias de terror, mas minha vida virara um conto obscuro de Stephen King.
Não sei como isso aconteceu, mas me lembro da minha infância, na qual sempre caçoavam de mim por ser esquisito. Mesmo adulto nada mudou, pois no trabalho nunca consegui uma promoção, nunca me destaquei em qualquer serviço. Ninguém me respeitava e sempre tiravam vantagens da minha bondade. Eu nunca brigava, acho que tinha me acostumado.
Minha calma era sempre confundida com covardia e isso apenas piorava as coisas. Sempre humilhado, sempre passado para trás pelos “colegas” de trabalho, sempre sem amigos. Sinto que passei minha vida inteira sozinho em uma grande multidão de pessoas que vivem nessa cidade corrompida em meio a todo esse cheiro pútrido!
Acho que eu sou amaldiçoado e essa é a única explicação. Depois de tantos anos vivendo prostrado finalmente algo começou a ferver em meu sangue. Uma fúria interior que me dilacera de dentro para fora em um urro selvagem que certamente não consigo mais conter.
Estou nascendo de novo, ou melhor, nascendo pela primeira vez!
Olho em volta e vejo o lugar que tenho trabalhado há anos, mas agora está bem diferente!
Há sangue e corpos retalhados por toda parte. Vejo mesas reviradas e estraçalhadas. Algo aconteceu aqui. Alguém forte e claramente maligno esteve aqui e por algum motivo eu me sinto bem. Faz muito tempo que eu me sentia totalmente sufocado e com uma enorme vontade de liberar o grito que estava preso em minha garganta.
Foi então que quase por instinto eu me aproximo do corpo em pedaços do que foi meu chefe e passo minha mão em seu sangue que jorrava. Levo os dedos à boca e sinto prazer no gosto. Agora entendo que fui eu que fiz tudo isso. Eu sou o maldito que destruiu todo esse lugar e ainda me sinto muito bem por ter feito isso.
Aqueles que trabalhavam comigo não passavam de vermes que me torturavam todos os dias. Agora não são mais que cordeiros cujas vidas foram ceifadas por minhas garras. São presas que sucumbiram perante minha fome insaciável. Caíram ante do rosnado primitivo que tanto ardia em meu interior.
Tiveram sua lição!
Agora entendo porque tinha pesadelos horríveis e acordava com minhas cobertas rasgadas. Apenas agora entendo o porquê os animais fugiam aos guinchos quando me aproximava. Eu sou um predador que caça implacavelmente vagando na escuridão mais tenebrosa da noite enquanto as pessoas dormem.
Ninguém vai me humilhar agora...
Agora começo a escutar ao longe o som das sirenes fazendo a selvageria insurgir novamente dominando meus sentidos, e sei que algo está mudando em mim. Os pêlos na minha nuca se arrepiam. Sinto a dor da minha carne sendo rasgada por dentro e tudo diminui em minha volta.
Esse lugar é apertado e me prende. Quero sair. Eu preciso sair logo daqui! Assim eu pulo a janela e chego à rua em uma queda que ninguém sobreviveria, mas estou mais vivo do que nunca.
As pessoas correm apavoradas quando me vêem e posso farejar o medo impregnado no ar e isso me agrada muito.
Vejo os policiais me cercando. Os malditos provavelmente devem achar que vieram atrás de um psicopata comum, um louco que teve um excesso de fúria no trabalho. Vão logo descobrir que encontraram algo muito pior...
Salto sobre os policias e destroço seus veículos como se fossem feitos de plástico. Os movimentos rápidos liberam meus sentidos gerando uma coragem insana. É mais tarde do que eles imaginavam.
Meu corpo arde em raiva incontrolável e pedindo por mais sangue, por mais de sua suculenta carne. Pelo simples prazer que o som dos ossos partindo me traz.
Vejo o medo em seus olhos e os poucos que não fogem atiram em mim com suas pistolas e escopetas, mas os ferimentos cicatrizam rápido. No entanto, eu sinto a dor e não gosto nem um pouco disso.
Uma dor que aumenta ainda mais minha fúria, liberando minha adrenalina, e ataco com selvageria minhas débeis presas como se não fossem nada. Retalho seus corpos frágeis e libero totalmente a fúria bestial que tenho em meu interior.
Escuto o chamado do vento e corro pelas ruas para fora da névoa dos novos dias em busca de liberdade. Pulsando com a Terra eu vou ao encontro da natureza primitiva.
Chego mais rápido do que imaginava em uma área de bosques nas redondezas da cidade. Não era o que eu imaginava e nem o que precisava, pois não é a selva que procuro. Mas servirá por um tempo, pois ali eu finalmente sinto uma paz reconfortante.
Vejo a lua iluminando as árvores e um sentimento desconhecido me fascina. Um desejo obscuro e vital pelo disco prateado onipotente na escuridão daquela noite gelada como o aço. Extasiado completamente eu apenas consigo proferir um uivado nunca liberado por nenhum homem. O presente da Terra que trás de volta o sentido da vida. Todos os meus sentidos primitivos estão libertados agora, eu me sinto totalmente livre.
Não tenho medo ou remorso pelo que fiz, muito pelo contrário! Meu temor é que eu me sinto bem. O que me assusta é que sinto que nasci para isso, que finalmente encontrei o destino que me foi arrancado há muito tempo atrás. Como seu eu tivesse sido destituído de alguma forma pelas pessoas que vivem nas imundas cidades.
Na vida selvagem está a preservação do mundo e é nela que eu sinto o lobo em mim mesmo. Minha fúria interior trará de volta os dias melhores de glória e honra do lobo e do homem.

3 comentários:

  1. Muito bom ter encontrado um meio de divulgação aqui também! Talvez pudesse criar um blog para cada história sua em capítulos também, aí você publicava uma em cada um.

    Abração.

    ResponderExcluir
  2. Talentoso como sempre! Que bom que decidiu divulgar uma das melhores coisas que há em vc!Parabéns, e com certeza acompanharei!

    ResponderExcluir
  3. Obrigado pelo carinho e ajuda!

    Fah...
    Já estou com duas estórias em blogs como vc pensou!

    Ane...
    Obrigado pelo talentoso e espero q seja uma das melhores coisas em mim mesmo!

    ResponderExcluir