sábado, 24 de abril de 2010

Selvagens


A conquista desta terra desgraçada em meio aos selvagens já dura há tanto tempo que nem sei mais onde estou exatamente. Eu estou cansado da areia deste grande deserto sem fim, do sol escaldante e desse uniforme azul que me faz suar como um desses animais. Santo Deus! Estou tão cansado.
Meu nome é Dwight Callaran e sou um capitão do décimo terceiro regimento da quinta cavalaria dos Estados Unidos da América e não me pergunte o dia, pois já não me importo mais com isso. Deve ser meados de 1876 e estamos em algum lugar bem ao norte do Rio Missouri. Apenas isso que eu sei e de qualquer forma estou muito longe da minha amada Virgínia.
Combatemos muitos dos indígenas e antes eu sabia diferenciar as tribos apenas ao vê-los. Arapahos, Cherokees, Cheyennes, Kiowas, Pawnees e Siouxs. São tantos, mas agora são apenas peles vermelhas. Os indesejáveis! Seria melhor para todos se estivessem todos exterminados. Afinal, um índio bom é um índio morto, certo?
Selvagens e sanguinários, esses povos atacam com uma voracidade implacável atrás de nossos escalpos, mas depois de tantos anos eu me pergunto se não faríamos o mesmo se estivessem invadindo nossas próprias casas, roubando nossas comidas e estuprando nossas mulheres. Nossa fúria não seria menor com certeza.
Já lutamos na frente de nossas casas uma vez e grandes homens como George Washington, Henry Knox e Nathanael Greene expulsaram os “casacas vermelhas” há muito tempo e agora quando não enfrentamos os selvagens combatemos a nós mesmos.
Selvagens! Chamamos os índios de bárbaros selvagens, mas já fomos chamados assim pelo Rei Inglês quando enfrentamos o maior exército do mundo com nossa “ralé armada”.
Somos os civilizados, mas não foram os indígenas que escalpelaram os mortos em Sand Creek. Nem foram esses selvagens que mataram as mulheres e que Deus me perdoe, mas as crianças também. Sei disso porque estava lá e lembro bem das palavras do coronel Chivington dizendo: Quero que escalpelem a todos, grandes e pequenos, pois os piolhos nascem em ovos. Isso ao som das índias sendo estupradas.
Não! Nós somos os civilizados e bradamos o amor a nossa perfeita constituição que os velhos homens brancos escreveram há cem anos. Essa é nossa terra por direito e nosso destino imbuído por Deus mantê-la segura dos selvagens.
Sim, hoje tornaremos os índios civilizados, nem que seja à força. Na verdade nem que eles não queiram. Mas eles tiveram sua chance. Nossos liberais lutaram pelo direito às terras aos indígenas, mas claro que não contavam com nossa ganância.
Terras como Black Hills foram dadas aos selvagens apenas para depois serem tomadas quando descobrimos que havia ouro naquele território. Claro que não deixaríamos essas riquezas aos bárbaros que nem saberiam utilizá-las e assim a terra que foi dada seria tomada.
Somos arautos da liberdade, mas apenas trazemos desgraça e morte. Para obtermos a paz travamos a guerra, para civilizá-los nós cometemos as maiores atrocidades.
Pouco importa se os soldados estupram as índias e depois as matam, pouco importa se massacramos aldeias inteiras, homens, mulheres e crianças; se destruímos povos que nem conhecemos. Não importa! Hoje avançaremos sob a música demoníaca pisando nas carcaças vermelhas. Hoje haverá destruição, mas não mais participarei disso, estou cansado e há apenas um descanso para mim...

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