sábado, 8 de dezembro de 2018

O Demolidor Otimista de Mark Waid


Demolidor, o Homem sem Medo, alter-ego de Matthew “Matt” Michael Mordock, é um personagem da Marvel Comics criado em 1964 por Stan Lee e Bill Everett, que acabou ganhando uma popularidade absurda nos anos 80 depois que um então jovem quadrinista chamado Frank Miller revitalizou o personagem em um período que a editora já pensava no cancelamento da revista por baixo consumo.  Miller não apenas conseguiu a façanha de fazer o Demolidor ser altamente vendável, mas também deu a identidade que conhecemos do personagem hoje como um herói sombrio e melancólico com estórias em tom bem mais adultas e realistas, escapando da formula de super-vilão diferente em cada mês ou publicação.

Assim, devido à enorme repercussão de Miller a frente do titulo do Homem sem Medo, muitos outros quadrinistas, que vieram posteriormente, continuaram a escrever estórias densas e urbanas com dilemas pessoais e morais. Logo o personagem se tornou um dos heróis mais sofridos na Marvel que, apesar de todas as suas tragédias e sendo literalmente massacrado por seus autores, o Demolidor acaba sempre por se reerguer de algum modo no final e vencer a vitória, mas quase sempre com um sabor amargo. Foi dessa forma que vários leitores têm compreendido o personagem durante esses anos até que veio Mark Waid para modificar o status quo do herói. 
Mark Waid iniciou sua carreira de argumentista de histórias em quadrinhos nos famigerados anos oitenta em pequenas editoras em mercado mais underground, mas logo conseguiu trabalho na DC Comics escrevendo, entre outras, Origens Secretas. Entretanto rapidamente se envolveu com o projeto de Legião dos Super Heróis do qual, diz, que o influenciou muito.  Fez sucesso logo depois à frente do título The Flash que o fez ser chamado a trabalhar pela concorrente Marvel Comics no título Capitão América. Aclamado por ambos, em 1996 produziu, junto com o renomado Alex Ross, o que viria a ser considerada sua obra prima; o Reino do Amanhã. Chegou a trabalhar como editor da Patrulha do Destino na renomada passagem de Grant Morrison pelo título e hoje é considerado um dos maiores quadrinistas da atualidade.

Waid nos trouxe um Demolidor que apesar de ter um passado carregado de tragédias horrendas ainda tem uma visão otimista e até ingênua. Pode parecer uma mudança sem sentido, mas é muito mais compreensivo que Matt consiga enfrentar tanta tristeza e desastres na sua vida tendo uma personalidade inabalável do que sendo alguém deprimido e que não consegue encontrar um sentido positivo em frente aos seus problemas. Um personagem assim também acaba por ser ainda mais atrevido diante dos perigos, o que acaba combinando bem com o termo do nome original do heróis em inglês, o Daredevil.
Claro que para uma mudança nesse aspecto não deveria contar apenas com a estória produzida pelo argumentista, os desenhos deveriam sair do estilo sombrio e por vezes Noir para algo mais vibrante. Para isso tivemos, em toda a fase do Waid, os desenhistas Paolo Rivera em parceria com o arte finalista Joe Riveira; que realizaram o inicio do arco, e Chris Samnee junto a Tom Palmer; que assumiram a arte do título até o final, além de alguns colaboradores como Kano, Khoi Pham e Emma Rios. O estilo mais limpo e cartunizado desses artistas colaboraram com o tom mais leve e otimista proposto por Mark Waid, mas deve-se destacar, para uma maior justiça com a todos envolvidos, os coloristas Javier Rodrigues, Laura Allred e Matthew Wilson que com suas cores chapadas e novos painéis com uma palheta bem mais colorida reafirmando o tom que Waid queria para essa fase do Homem sem Medo.

Toda essa alteração estética também pode ser facilmente explicada narrativamente devido à mudança do Demolidor para São Francisco, uma cidade bem mais vibrante o colorida do que a melancólica e sombria Nova Iorque onde Matt viveu toda sua vida.
Assim sendo, não temos apenas um Demolidor mais otimista, mas a própria vida do personagem dá uma trégua em toda profusão de tragédias que ele sempre está envolvido. Tornando as estórias com um ar mais leve também, apesar dos traumas de Matt sempre estarem presentes. Talvez o melhor exemplo dessa narrativa de Waid esteja representada na personagem Kristin McDuffie, a assistente da procuradoria e nova namorada de Matt que além de ser uma personagem extremamente positiva a estória acaba quebrando a máxima que toda namorada do Demolidor sofre na mão de seus arquiinimigos. McDuffie é forte e determinada sempre saindo de situações perigosas com inteligência a despeito do medo do Demolidor que algo lhe aconteça.

Logo Mark Waid faz toda uma revolução drástica de como o Demolidor encara o mundo, mas com total respeito aos quadrinistas que vieram antes dele. Os problemas e tragédias passadas continuam a permear o herói e o mundo continua a tentar puxá-lo para as sombras, mas agora sua positividade causa um novo gás ao enfrentamento de seus inimigos e dilemas pessoais.
Vale ressaltar aqui a doença terminal que o personagem Franklin “Foggy” Percy Nelson acaba contraindo na estória e a forma que Matt se torna otimista, pois agora ele tem que ser positivo para ajudar na recuperação do melhor amigo.
Entretanto, alguns leitores reclamaram muito dessa visão mais otimista do Homem sem Medo, principalmente por ter sido seqüência da fase em total estilo Noir de Alex Malleev, Brian Michael Bendis e Ed Brubacker. Ora, o tom melancólico, realista e sombrio já eram características definidoras do Demolidor agora e Mark Waid poderia ter descaracterizado o personagem em sua fase. No entanto, devemos refletir bem sobre essas afirmações.
Apesar do tom da revista ser mais leve Waid não deixou de lado os dilemas pessoais do Demolidor e os mesmos ainda perturbam o herói. Tudo que foi feito antes é reaproveitado em sua fase e apenas Matt toma uma atitude diferente diante seus problemas. O quadrinista muda o personagem, mas com respeito ao que foi feito e sem ignorar nada do passado do Homem sem Medo.

Aliás, aqui temos novamente o talento argumentativo do quadrinista que faz Matt, e até seu amigo Foggy, refletir profundamente sobre seu passado na forma de uma auto-biografia que o personagem se propõe a escrever a certa altura da estória.
Outra critica recorrente é que Mark Waid volta, de certa forma, a usar a fórmula de super-vilão do mês trazendo desde vilões clássicos, mas também considerados ridículos como o Coruja e o Garra Sônica; outros vilões pouco conhecidos como o Mancha e os Filhos da Serpente; e até novos vilões como os filhos do  Homem Púrpura, tirando o foco de antagonista que quase sempre ficava para o Rei do Crime, Wilson Fisk. No entanto, essa é uma analise preguiçosa, pois claro que Waid se vale de tramas obscuras, mas condutoras que trazem esses vilões apenas como distração ao Demolidor e homenagens ao passado do título.
Está justamente aqui outra genialidade do quadrinista.
Mark Waid volta as origens do personagem pré Miller e traz muitos elementos germinados por Stan Lee e Bill Everett que tinham já um tom mais positivo e otimista para o Demolidor. Por vezes ate mais engraçado como eram as histórias em quadrinhos naquela época áurea da Marvel Comics. Assim Waid não apenas respeita os quadrinistas que desenvolveram o lado soturno do herói, mas também trás elementos da origem do titulo combinando visões tão diferentes do personagem de forma impar e nunca vista antes. Agora teríamos um Demolidor completo que tem na bagagem simplesmente tudo que foi feito ao personagem de forma coerente, mas principalmente muito divertida e instigante de se ler.

Claro que essa fase tem seus altos e baixos, principalmente por ser um titulo mensal, que tem prazos muito apertados influenciando muito a qualidade em que as estórias são produzidas, mas podemos notar um inicio de arco absurdamente empolgante e um final simplesmente espetacular que não vamos entrar em detalhes para não estragar a experiência de quem não leu ainda.
Existe até uma genial e corajosa reviravolta bem no meio da fase de Mark Waid que além de abalar as estruturas e de como concebemos o personagem o autor mostra todo seu brilhantismo em mostrar as repercussões de tal revelação e não perde o ritmo narrativo de forma alguma, muito pelo contrario.
Talvez o maior mérito de Waid com seu otimismo para o personagem tenha sido não apenas nos proporcionar a incrível sensação que, depois de acompanhar as revistas por anos, poder ver um Matt sorrindo em frente às ameaças. Mas com isso também reforçar que o Demolidor é o verdadeiro paladino da Marvel que se firma inabalável a toda sua profusão de problemas. Um cavaleiro urbano que desafia o perigo audaciosamente e encara o inimigo com uma atitude atrevida que só é possível graças a uma confiança que apenas os maiores heróis possuem.


Mark Waid conseguiu escrever uma fase única do personagem que justifica as premiações que recebeu e trazendo elementos tanto novos como resgatando o que já havia sido esquecido do Demolidor. Com certeza esse arco ficará marcado como um dos melhores estórias do Homem sem Medo. 

2 comentários:

  1. Legal, ainda não tinha visto nada sobre esse novo demolidor, mas agora deu vontade de conhecer.

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    1. Essa e uma fase anterior a atual no Brasil. Chegou em encadernados de capa mole que aparecia a cada trimestre, mas difícil de encontrar completa hoje. Recomendo buscar em scans para ler.

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