domingo, 2 de maio de 2010

Quem quer viver para sempre?


“There's no time for us
There's no place for us
What is this thing that builds our dreams
And slips away from us?
Who wants to live forever?”
Queen

Meu nome é Raphael Albuquerque Gonçalo Dias de Castelo Branco e Oliveira. Nasci em 1557 na Cidade do Porto em minha amada Portugal. Tive minha primeira morte na Batalha de Alcácer-Quibir em 1578. Sim, minha primeira morte! São como nós chamamos o despertar para a imortalidade. Algo que muitos chamariam de bênção, pois imagine não morrer. Imagine atravessar os séculos e ver como tudo muda; as pessoas, os países e as idéias. Tenho quase quinhentos anos e isso não me traz alegria alguma, muito pelo contrário. Não! Isso não é uma bênção, mas uma maldição.
Eu tenho andado pelo mundo afora e isso tem me tornado cada vez mais triste, pois é o que acontece quando não mais se reconhece o mundo. Quando se é criado de uma forma e acaba descobrindo que apenas você pensa deste modo ainda. Quando se torna anacrônico e percebe que não há mais tempo para mudar, para se readaptar. Sua ética e até mesmo seus sentimentos não cabem mais neste mundo. Quando ninguém mais pensa como você!
Tive algumas mulheres, mas fui ficando mais frio à medida que elas envelheciam e eram ceifadas pelo tempo que nunca vinha me buscar. Enterrei muitos amores, sejam mulheres ou sejam amigos e agradeço ao meu Senhor que não tenha me dado filhos, pois não suportaria vê-los envelhecer.
No entanto, algo surpreendente acontece. Encontro uma mulher como eu, imortal, e sou levado a acreditar no amor. Que ela trará o resplendor do dia novamente afastando toda aquela avassaladora tempestade. Tenho esperança de novo, mas não por muito tempo. Quanto mais eu chego perto dela, mais me decepciono. Acho que ela pensa como eu, que tem os mesmos ideais, mas ela é como todas as outras e isso me traz os dias sombrios...
Não, a felicidade que vejo em todas as pessoas não é para mim. Sua débil, mas acolhedora ignorância os faz felizes, mas eu continuo a caminhar sozinho. Continuo no escuro e a esperança me abandonou totalmente.
Isso ocorre quando chego à conclusão que o mundo está errado. Que tudo está errado! Nada é como antes. Os valores se perderam e a moral foi totalmente deturpada nos dias de hoje. Sim! Esse pensamento me conforta por um tempo, isso faz com que eu consiga dormir nas noites frias...
Entretanto, logo percebo que não estou certo e a verdade me golpeia inexoravelmente. Ela não tem piedade em clarear minha mente. Quem está errado sou eu! Afinal não se pode estar certo e todos os outros errados, não?
Não é o mundo que está errado, mas sim eu é que não mais me encaixo nele e percebo hoje que eu nunca me encaixei. Uma exceção à regra, uma anomalia, uma abominação!
Então ao andar nas ruas vejo que tudo se torna onírico como se eu não passasse de um velho fantasma.
Eu não reconheço mais os rostos.
Eu não reconheço mais os lugares.
Eu não reconheço mais nada.
Não está tudo errado! Eu é que não pertenço mais ao mundo.
Eu estou sozinho! Sozinho em meio a uma multidão.

Conto ambientado no universo do filme Highlander.

11 comentários:

  1. puxa... poetizar o que se passa na cabeça de algué que se vê totalmente sozinho e deslocado. o corpo padece mas a alma nunca morre.como manter vivo espirito que vê todos seus amores morrrendo?

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  2. essa é verdadeira imortalidade? a do corpo ou a da alma?

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  3. Como manter vivo o espírito se vc percebe que seus ideais não são mais válidos? Se a forma ética em que vc vive apenas lhe trás sofrimento e não conforto? Quando seus ideais acabam...

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  4. quando os ideais acabam, nos cabe inventar outros...o espirito se alimenta de espectativas, e se vc não o alimenta ele padece e morre. Como manter vivo um corpo sem alma?

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  5. Nossa!

    Que criativo esse conto!

    Ao mesmo tempo em que é triste,é também engraçado e nos faz chegar a conclusões otimistas (e outras nem tão otimistas assim) sobre a vida e a morte. \o/

    Questionando as vantagens de se viver para sempre,você conseguiu mostrar de forma envolvente, que tudo tem seus dois lados.
    Além disso demonstrou uma inquietação diante das mudanças que tem desagregado a humanidade de seus valores morais.
    Em um pequeno conto vc falou do tempo,da vida e da morte,falou sobre o homem,sobre o amor,sobre as mudanças inevitáveis dos dias...Não é pra qualquer um falar tanto ao dizer tão pouco e ainda nos tocar profundamente!

    Amei!

    Bjinhos***

    PS: Obrigada por ter lido meu poema.Fico feliz por ter gostado. =)

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  6. Ane...

    perder a alma! V pegou o espírito da coisa!

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  7. Lívia...

    já tinha percebido sua sensibilidade lendo seus escritos.
    Agora percebo melhor pelo seu comentário, pois vc percebeu bem tudo q eu queria falar com esse conto. Pontuou um a um... incrível!
    Percebeu q eu tinha muito pra falar em poucas linhas!
    Muito, mas muito obrigado pelo comentário!
    Adorei!
    Fico feliz q alguém q escreve tão bem tenha gostado de um conto meu!
    Vou continuar acompanhando seu blog pq está ótimo!

    Beijos

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  8. ê! blogueiros poetas do mundo inteiro, uni-vos!

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  9. Nossa,menino do céu!

    Muito obrigada por passar mais uma vez pelo meu blog,fiquei muito feliz,de verdade!

    Fiquei mais feliz ainda por ter compreendido o que vc quis dizer,mas destaco que sua narrativa nos conduz de maneira tão simples ao universo para o qual vc quer nos levar,que somos facilmente tocados pelo que escreve.

    Bjinhos***

    PS: Também estarei te acompanhando =D

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  10. Lívia, Lívia!

    Caramba, se vc sempre fizer esses comentários eu vou ficar até sem graça...

    Estou adorando acompanhar seu blog!
    Vc escreve super bem viu?
    De verdade!!!

    Obrigado por me aompanhar por aqui!

    Beijos

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